IA, um tema inesgotável

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O tema do desenvolvimento galopante da Inteligência Artificial (IA) é incontornável e inesgotável. Mexe com tudo, com todos, em todos os lugares. Por isso também no Turismo em geral e na “hospitality Industry” em particular, de múltiplos prismas e perspectivas.

Estava eu a preparar-me para abordar os impactos que a IA já tem e terá nestes domínios, quando não resisti, dada a minha atracção confessa por ficção científica, a outra abordagem.

Tenho uma amiga, inegavelmente equilibrada, racional, nada temerosa, que, no entanto, tem de há muito um medo que, até há pouco, me parecia tão fruto da imaginação como a dita ficção: que lhe lessem os pensamentos. E que essa “faculdade” estivesse ao alcance de qualquer um. Debati com ela esse medo como se se tratasse de um absurdo infantil, e ela tolerava o meu desprezo caritativo, dizendo calmamente que, felizmente, tão horrível perspectiva não se concretizaria durante a sua vida.

É certo que a telepatia tem sido usada e reusada na ficção (científica e não só, que isto de ter a habilidade de ler os pensamentos do ser amado também dá pano para mangas), mas, vá, não passa desse plano.

E não é que os saltos gigantescos que a IA está a dar começam a tornar plausível essa realidade?!

É certo que há experiências extraordinárias, das “forças do bem”, como a do neurocientista John Krakauer, actualmente na Fundação Champalimaud, que está a desenvolver terapias de reabilitação de danos cerebrais com realidade virtual. Mas não sendo ingénuo, insiste na criação e defesa de “neuro direitos”, sublinhando ser fundamental evitar que alguém consiga controlar ou ler o pensamento dos outros. No mesmo sentido, neste mês de maio, foi publicado na Nature Neuroscience um artigo que regista que uma equipa de investigadores criou uma tecnologia capaz de ler a mente e transformar os pensamentos em texto, por métodos não invasivos (isto é, sem um implante cerebral), “simplesmente” programando um modelo de IA de descodificação da linguagem, usando o GPT1, precursor do ChatGPT, associando-o às imagens registadas durante a aplicação de Ressonâncias Magnéticas. Espanto! Com mais ou menos erros e precisão, o sistema funciona ao “nível das ideias, da semântica e do significado”!

Os neurocientistas vibraram com esta descoberta pela suas extraordinárias potencialidades, designadamente porque poderá ser um veículo de comunicação para pessoas afectadas por AVC”s ou outras doenças cerebrais que as impossibilitem de falar.

E no entanto… sabem como termina o dito artigo? Alertando para o facto de, se nas experiências levadas a efeito foi necessária a colaboração dos sujeitos para que a descodificação fosse mais exacta, “futuros desenvolvimentos podem permitir que os descodificadores ultrapassem esta necessidade. E mais, mesmo que sem essa cooperação as predições se revelem menos ajustadas, podem ser intencionalmente mal interpretadas para fins malévolos”. E rematam: “por estas e outras razões ainda não previsíveis, é critico alertar para os riscos da tecnologia de descodificação cerebral e aprovar políticas que protejam a privacidade mental de cada pessoa”.

Em março passado mais de 1000 cientistas, lideres e investigadores na área da tecnologia, assinaram uma petição defendendo uma moratória de 6 meses no desenvolvimento de novos sistemas de IA devido aos “riscos profundos para a sociedade e humanidade”, até que sejam estabelecidos sistemas de segurança com novas autoridades reguladoras, vigilância de sistemas e técnicas que ajudem a distinguir entre o real e o artificial.

E a União Europeia, pela voz da enérgica vice-presidente da Comissão, aparece agora a afirmar que a UE “não pode perder tempo” e deve regular as tecnologias de IA. A intenção é criar um quadro jurídico que fixe regras para garantir que os sistemas de IA sejam “seguros, transparentes, éticos, imparciais e sob controlo humano”. Será que vai ser também criada e protegida uma nova categoria de direitos fundamentais, os “neuro-direitos”?

Estamos numa corrida contra o tempo. E, para já, ainda contra os homens que controlam as máquinas. Mas ainda não contra as máquinas. Até ver…

 

Cristina Siza Vieira

VP executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal

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