A cimeira da NATO e as suas complexidades

Opinião

Agora, com a Cimeira da NATO deste ano concluída, qual é a palavra que resume o que aconteceu? Sucesso? Coerência? Unidade? Pujança, no sentido de projeção de força? Ou, tendo em conta o que de facto é prioritário – a questão da Ucrânia -, foi um exercício absurdo, como disse o presidente Zelensky, num momento de frustração? No final, Zelensky acabaria por reconhecer que o encontro não poderia ser classificado assim. As promessas de ajuda ao seu país foram abundantes e incluíram um pacote especial, anunciado pelos países do G7. É essa a ajuda que a Ucrânia precisa com urgência, com o G7 e os outros aliados a passarem rapidamente das promessas aos factos. Mas deve notar-se que o estilo da redação dos compromissos mostra que se trata de um conflito que está para durar. Não acredito na possibilidade de uma mediação nos tempos mais próximos. As chances de uma nova realidade política em Moscovo também parecem incertas, embora existam.

Quanto à cimeira, acentuaria a palavra complexidade. Foi uma reunião com questões muito sérias em cima da mesa. O contexto geopolítico em que nos encontramos é intricado e perigoso. Não há uma resposta simples perante um cenário desses. A principal ameaça provém do Kremlin, que olha erradamente para a defesa militar europeia como um arranjo institucional ofensivo e de controlo da Europa pelos Estados Unidos. E considera a Ucrânia como o passo decisivo nesse processo de controlo, caso o país seja admitido como membro desse acordo que é a NATO. Os dirigentes russos, e em particular Vladimir Putin, não querem entender que a NATO existe por razões de medo. Dito claramente, porque os países europeus veem a Rússia como um potencial agressor, dirigido por uma elite política inspirada em ideias do passado, quando as relações de força contavam mais do que as de cooperação.

Apesar da complexidade, considero que foi uma reunião positiva. E não apenas no que respeita à unidade de ação à volta da Ucrânia. A questão sueca evoluiu no bom sentido. Ainda não está inteiramente resolvida, pois necessita da ratificação pelo Parlamento turco. E com Erdogan, até ao lavar dos cestos ainda é vindima. Porém, ele deverá conseguir o que lhe foi prometido – os aviões americanos F-16, a facilitação dos vistos de entrada na UE para os cidadãos turcos e certas vantagens aduaneiras para as exportações do seu país. Nada disto diz respeito à adesão da Turquia à UE, que não está de modo algum no horizonte de vários países europeus, mas será suficiente para fazer mexer a candidatura sueca em Ancara.

Também acho bem que não se tenha aprovado a abertura de um escritório de representação da NATO em Tóquio, como já fora precipitadamente anunciado por Jens Stoltenberg. A organização deve manter o seu objetivo fundador – a defesa da Europa das liberdades e dos Direitos Humanos. Os Estados europeus devem focar-se na proteção do seu espaço geopolítico e, se necessário, no apoio aos países vizinhos. A ideia de uma NATO Global está fora dos meios que temos disponíveis e dos nossos interesses estratégicos em matéria de defesa. O Extremo Oriente é uma preocupação que nos é longínqua. É, na verdade, uma inquietação central para os EUA, por razões que lhes são próprias. Os aliados de que os americanos precisam devem ser Estados dessa região.

Nesta mesma linha de ideias, uma das conclusões que se deve tirar da cimeira é que a Europa precisa de reequilibrar a Aliança. Os EUA continuam a ser determinantes dentro da NATO. Têm 70% da capacidade militar existente e meios que não estão disponíveis no seio das Forças Armadas europeias. A dependência da Europa em relação aos Estados Unidos, uma dependência com várias facetas, desequilibra a organização. Se no futuro os EUA decidissem retirar-se da NATO, mesmo parcialmente que fosse, os europeus ficariam numa situação de grande vulnerabilidade. Por isso, quando se fala da Europa da Defesa não se está a tentar promover uma alternativa à NATO. Estamos, sim, a sublinhar que é fundamental criar as condições militares necessárias, no interior da Aliança, que permitam continuar a garantir a soberania, a liberdade, os valores e os Direitos Humanos na nossa parte da Europa. Isto, independentemente de quem estiver no poder em Washington.

 

 

Victor Ângelo

Conselheiro em Segurança Internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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