Conheci o Manuel Gusmão na Faculdade de Letras de Lisboa nesses anos finais de 1960 – eu a entrar em Filologia Românica e ele já no fim do curso que terminaria de forma brilhante. Colaborámos em revistas várias, de que destaco O Tempo e o Modo, numa primeira fase em que várias tendências da esquerda estudantil colaboravam, até que o predomínio da esquerda radical afastou a esquerda mais moderada, dos socialistas aos comunistas, onde ele se inscrevia, embora nessa altura não se pudesse, por razões óbvias, afirmar a sua filiação partidária.
O convívio manteve-se nas mesas dos cafés, sobretudo essas onde pontificava o seu admirado Carlos de Oliveira, já não o ortodoxo neorrealista, mas o autor de Finisterra e da sua poesia a partir de Sobre o Lado Esquerdo. Estas opções estéticas, talvez conflituais com uma visão marxista mais ortodoxa, levam-no a interessar-se por autores como Francis Ponge, o Fernando Pessoa do Fausto, Alberto Caeiro, entre outros “heterodoxos” cujo modelo de leitura vinha da revista Tel Quel que, antes de evoluir para um delírio maoista, defendia uma visão marxista de autores clássicos e contemporâneos.
A sua obra ensaística e poética situa-se precisamente nessa fronteira entre a vanguarda e uma perspetiva revolucionária da escrita e do mundo. Gusmão não faz qualquer cedência a uma comunicação mais “fácil” ou popular da sua criação, afirmando um ponto de vista muito pessoal dessa invenção poética que não tem paralelo na nossa poesia contemporânea. Por isso, não terá tido um papel dominante nos autores de referência mais citados, embora os seus livros tenham ganhado prémios importantes nas últimas décadas. Afastado do público nos últimos anos devido a um problema de saúde difícil que o impedia de comunicar com clareza, fica uma obra a descobrir ou redescobrir, e a inteligência com que estudou a poesia do século XX.