Sorteio eletrónico de juízes: o volte-face da Operação Marquês

Rita Gomes de Sousa

Entrou em vigor a Portaria 86/2023, de 27 de Março, que regula a distribuição electrónica dos processos nos tribunais judiciais e cujos mecanismos de controlo haviam sido introduzidos pela Lei 55/2021, de 13 de Agosto.

No referido diploma legal, através do qual se pretendia aumentar a fiabilidade e a transparência do sistema que foi colocado causa nos processos “Operação Lex” e “Operação Marquês”, estabelecia-se um prazo de 30 dias para que a sua regulamentação fosse aprovada pelo governo, mas a portaria que regulamenta a lei do sorteio dos juízes acaba por entrar em vigor com quase 2 anos de atraso.

A falta de regulamentação do novo sistema de distribuição paralisou o processo judicial do ex-governante José Sócrates que apresentou sucessivos pedidos de afastamento por não aceitar o colectivo de juízes, uma vez que nem todos os elementos tinham sido nomeados por sorteio electrónico.

Com efeito, a Lei 55/2021, de 13 de Agosto, previa que a distribuição nos tribunais superiores fosse realizada para apurar aleatoriamente o juiz-relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação de qualquer outro critério, nomeadamente o da antiguidade.

No entanto, em face da ausência de regulamentação dos procedimentos previstos naquela lei, a distribuição por sorteio nos tribunais superiores ocorria apenas quanto aos juízes-relatores e não, também, quanto aos dois adjuntos, os quais eram escolhidos segundo um critério de antiguidade: a graduação imediatamente a seguir ao relator.

Com efeito, consideravam os tribunais que esse diploma legal não poderia ser aplicado pelo facto de os procedimentos nele plasmados não se encontrarem, ainda, especificamente regulamentados.

Do outro lado, considerava o ex-governante que um tal entendimento não tinha respaldo constitucional, na medida em que era violador do consagrado princípio do juiz natural de acordo com o qual o juiz do processo será aquele a quem couber a competência de harmonia com a lei anteriormente estabelecida.

A cobertura mediática em torno da “Operação Marquês” acabou por galvanizar a regulamentação da Lei 55/2021, de 13 de Agosto, através da Portaria 86/2023, de 27 de Março, ora sob análise.

De acordo com as novas regras, passa agora a ser obrigatório o sorteio electrónico dos juízes-adjuntos, sendo, ainda, necessário reunir diariamente um conjunto de operadores da justiça para assistir ao acto da distribuição que até aqui dispensava, na maioria dos casos, qualquer intervenção humana e elaborar uma acta da qual conste o resultado da distribuição.

O processo de distribuição passa assim a ser assistido por um juiz, um magistrado do Ministério Público, um oficial de justiça e um advogado nomeado pela Ordem dos Advogados.

A publicação dos resultados da distribuição ocorrerá por meio de pauta e será efectuada às 17h de Portugal Continental, na área de serviços digitais dos tribunais, durante um período de seis meses.

Também os algoritmos informáticos utilizados nas operações de distribuição vão passar a constar de uma página informática de acesso público do Ministério da Justiça, mas apenas em meados de Setembro próximo.

// Rita Gomes de Sousa – Associada Principal de Contencioso e Arbitragem da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados

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