Sacerdotisas? Nem sacerdotisas nem sacerdotes

opniao

Como foi possível ensinar e pregar que Deus mandou o seu Filho Jesus para ser crucificado, pagando assim a dívida infinita da Humanidade para com Ele? Desse modo, Deus aplacou a sua ira e reconciliou-se com a Humanidade. Esse seria um Deus no qual não se pode acreditar: um Deus sádico, bárbaro, vingativo. Face a esse Deus é preciso ser ateu. Esse não seria o Evangelho, uma notícia boa e felicitante, mas um Disangelho.

Pelo contrário, o que Jesus anunciou foi realmente o Evangelho, notícia boa e felicitante, repito. E fê-lo por palavras e obras. Esta é a notícia, a melhor notícia que a Humanidade ouviu na sua História: Deus é bom, é Pai e Mãe de todos e o seu interesse é a alegria, a felicidade, a realização plena de todos os seus filhos e filhas.

Nem todos estavam nem estão de acordo com esta mensagem, pois se Deus é bom eu também devo ser bom, se Deus não se vinga eu também não me posso vingar, se Deus é bom, Pai e Mãe de todos os seus filhos e filhas, não pode haver guerras de destruição e horror entre eles. A mensagem de Jesus ia contra os interesses de muitos, nomeadamente contra os interesses da religião oficial da lei, uma religião que oprimia o povo, e contra os interesses imperiais de Roma — a finalidade dos impérios não é explorar? Por isso, os sacerdotes do Templo coligaram-se com Roma, julgaram Jesus, que foi condenado à morte e morte de cruz, a morte que os romanos davam aos escravos e subversivos. Jesus morreu assassinado pelos interesses dos que se opõem aos interesses de Deus, do Deus bom, Pai e Mãe de todos. Jesus não se acobardou, sacrificou-se até ao fim, até ao horror da morte na cruz, fazendo inclusivamente a experiência do aparente abandono de Deus, para dar testemunho da Verdade e do Amor.

Os discípulos fugiram, até Pedro, o primeiro Papa, se acobardou e negou o Mestre. Só as mulheres o acompanharam até à cruz. E a pergunta que fica sempre é esta: o que é que aconteceu para que os discípulos que, tristes e desiludidos, voltaram às suas vidas, pensando que tinha sido o fim, se reunissem de novo para irem anunciar que verdadeiramente aquele Jesus assassinado, crucificado, é o Messias, o Salvador, o Evangelho vivo? Mais uma vez, foram as mulheres. Nomeadamente, Maria Madalena foi a primeira a fazer a experiência avassaladora de fé de que aquele Jesus, o crucificado, está vivo para sempre em Deus. Deus é infinitamente poderoso, Jesus deu a vida por Ele, testemunhando o seu amor sem limites e, por isso, Deus não podia deixá-lo abandonado à morte, ressuscitou-o, Jesus está vivo para sempre na plenitude da Vida. E, lentamente, os discípulos foram fazendo a mesma experiência avassaladora de fé e reuniram-se e partiram, anunciando a boa notícia. E morreram por ela.

Muitos acreditaram e formaram-se comunidades por todo o lado. E viviam a alegria da fé, por palavras e obras. Souberam que Jesus, antes de entregar-se à morte por amor, celebrara uma ceia com os discípulos, uma ceia de despedida, pedindo que se lembrassem dEle. Assim, os novos discípulos celebravam banquetes festivos, recordando essa ceia, a Última Ceia, e lembrando Jesus, o que Ele disse, o que Ele fez, a sua morte, a sua ressurreição, e sabiam que Ele está presente. Quem presidia era algum cristão ou alguma cristã com uma casa melhor.

Com o tempo, foram escolhidos presbíteros e bispos, para a coordenação das comunidades, o anúncio da mensagem… Só mais tarde, nos séculos III-IV, quando os cristãos foram acusados de não oferecer sacrifícios à divindade, se interpretou a Eucaristia como sacrifício — mactatio mystica Christi, cheguei a ler em manuais de Teologia — e apareceram os sacerdotes, com a ordenação sacerdotal, e, desse modo, a divisão da Igreja, Povo de Deus, em duas classes: clero e leigos. No Novo Testamento, não se fala em sacerdotes, Jesus não ordenou sacerdotes, sacerdote é Jesus e o povo cristão é “povo sacerdotal”. Com a ordenação sacra, foi surgindo o celibato, que se foi impondo como lei, e, evidentemente, por causa da impureza ritual, as mulheres foram excluídas.
Hoje, com a urgência da renovação profunda da Igreja, esta questão é decisiva. Neste sentido, o jesuíta José I. González Faus escreveu uma carta aberta a Francisco: “Estamos obrigados a procurar remédio para a exclusão da mulher.” Começa por pôr em causa um duplo princípio na Igreja que Francisco, para negar a possibilidade de acesso da mulher ao presbiterado, foi buscar ao teólogo Urs von Balthasar: o princípio mariano (Maria mãe da Igreja) e o princípio petrino (Pedro é a rocha), sendo o primeiro superior ao segundo, mas fechando o acesso da mulher ao ministério eclesiástico. O equívoco está na falsa “sacerdotalização” do ministério, que poderia levar à ideia de “mulheres sacerdotisas”, evocando “figuras pagãs como as prostitutas sagradas”.

O que se impõe não é excluir a mulher. O que se exige, quando se atende ao Novo Testamento, é “a compreensão de que também o presbítero não é um sacerdote, por muito acostumados que estejamos a essa linguagem imprópria. Linguagem que provocou uma sacralização dos presbíteros, que está na base do nefasto clericalismo, que tanto tens combatido e criticado, Papa Francisco, e que foi causa de tanto abusos de todas as espécies. Comecemos, pois, nós, os homens ordenados, por despojar-nos dessa atribuição irreverente de sacerdotes.”

 

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

Deixar uma resposta

O seu endereço de correio electrónico não será publicado. Os campos obrigatórios estão assinalados com *