A ideia da Cinemateca Portuguesa – Museu do cinema e do Instituto Camões de Paris de criar iniciativas em 2024 para comemorar a data histórica portuguesa, foi uma proposta à qual Jacques Lemière, responsável pelo programa em Lille, no norte da França, disse à Lusa ter aderido “imediatamente e com muito entusiasmo”.
“Foi importante para mim (…) ter a liberdade de interpretar localmente o que significa comemorar os 50 anos do 25 de abril de 1974, do ponto de vista da representação cinematográfica”, acrescentou.
Com uma seleção de oito filmes e uma curta-metragem de cineastas portugueses, o programa foi pensado com a necessidade de separar “um tempo para o passado e um tempo para o presente”, em que “a primeira parte examina os eventos passados e a segunda parte leva ao Portugal contemporâneo”, afirmou o também responsável pela arte do cinema da Citéphilo – encontros de reflexão filosófica.
Hoje e domingo, “Portugal, 1964-1982”, o Citéphilo, no Palais des Beaux-Arts, terá três filmes com “duas preocupações”: familiarizar o espetador com o cinema português e “o peso da censura”, bem como lembrar o Cinema Novo com a “energia particular nos cineastas portugueses” antes de 1974.
Hoje será possível ver “Belarmino”, de Fernando Lopes, um retrato de um homem do povo e pugilista, gravado no final do regime salazarista.
Seguindo uma sequência cronológica, o organizador escolheu para o segundo dia “As Armas e O Povo”, do Coletivo Trabalhadores da Atividade Cinematográfica, “Bom Povo Português”, de Rui Simões, e “Gestos e Fragmentos”, de Alberto Seixas Santos. Todas estas sessões são gratuitas, mas limitadas aos lugares existentes.
Nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro, “Portugal de hoje, 2014 — 2023” no Cinéma Le Méliès, em Villeneuve d’Ascq, decorrem as sessões com preços acessíveis: “A Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho, “No Táxi de Jack”, de Susana Nobre e “A Morte de uma Cidade”, de João Rosas e “As Filhas do Fogo” e “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa, um “cineasta com importância mundial e cujo trabalho é muito específico”, com o retrato ficcional dos cabo-verdianos que vivem em Portugal.
Nas duas partes, ocorrem também conversas com José Manuel Costa, antigo diretor da Cinemateca Portuguesa, e com a atual programadora Joana Ascensão, e com o realizador João Rosas, cuja obra reflete “o turismo e o peso nas condições de acesso ao alojamento de Lisboa e também sobre a alma de Lisboa”.
“Estou convencido, pelo que vejo do passado do cinema português, do seu presente, mas também da forte resiliência por parte dos novos e jovens diretores, que há uma capacidade de contribuir com a arte do cinema para o avanço no mundo”, defendeu Jacques Lemière.
Portugal, que descreveu como um “pequeno país com uma grande história”, pela “riqueza absolutamente singular”, anualmente produz uma pequena quantidade de filmes que “são obras extremamente valiosas”.
No âmbito do programa Cineluso de promoção do cinema português, Jacques Lemière criou as Jornadas de Cinema Português de Rouen (1990-1995), na Normandia, seguindo-se agora o programa em Lille, onde existe uma diáspora portuguesa, que embora considere o cinema português “muito reflexivo” e pouco popular, atualmente ainda mostra interesse pela questão do 25 de abril.
Quando se fala dos “50 anos do 25 de abril, a palavra liberta-se e os olhos mostram pequenas estrelas”, afirmou o organizador em relação ao entusiasmo da comunidade de Lille com o programa.
Este interesse de Jacques Lemière pelo cinema português “tem agora quase 35 anos”, que começou quando era um jovem estudante em Sociologia e Antropologia com interesse por “uma juventude que contestava a guerra colonial” durante a ditadura.
Dessa forma, Jacques Lemière e um pequeno grupo dedicaram-se a estudar a revolução portuguesa com publicações em França entre 1974 e 1979, parando quando entenderam que “Portugal iria normalizar a sua vida pública, como um país da comunidade europeia”.
Nessa altura, diz, sentiu-se “como um órfão, órfão de um Portugal” que conheceu “numa situação excecional, numa situação de ebulição” e questionou-se sobre o que podia fazer, revelou o investigador, que se dedicou à cinematografia relacionada com o Cinema Novo, após descobrir em Portugal a Cinemateca Portuguesa.