O que faz a violência às crianças?

Opinião 1

Comemorou-se mais um Dia Mundial da Criança. Um dia em que todos devemos parar para pensar sobre o que vivem e como vivem as crianças, em Portugal e no mundo. Os dados disponíveis permitem-nos afirmar que as crianças e, em particular, as meninas, continuam a ser especialmente vulneráveis e a sofrer diversos tipos de violência, muitas vezes de uma forma cumulativa e, acima de tudo, no contexto familiar. Aquele que deveria ser o lugar mais seguro do mundo revela-se, afinal de contas, o lugar mais perigoso do mundo.

Crescer em e com violência (seja psicológica, física, sexual ou outra) destrói a sensação de segurança e de previsibilidade das crianças. Confrontadas com uma realidade que não compreendem e não controlam, e desprovidas de estratégias que lhes permitam lidar eficazmente com a situação, acabam por interiorizar a ideia de que são frágeis e vulneráveis, que não prestam e não têm valor. Acreditam que não são amadas e, pior, que não são merecedoras de qualquer afeto.

Em paralelo, as crianças vítimas de violência aprendem a olhar para o mundo como especialmente perigoso e ameaçador. Tornam-se hipervigilantes e procuram constantemente antecipar os perigos, numa clara estratégia de sobrevivência.

Relativamente ao futuro, revelam muitas vezes desesperança, um dos maiores preditores do suicídio. “É como se o futuro não fosse mais do que isto mesmo, um prolongamento do sofrimento…”, dizia-me há dias uma jovem vítima de violência.

Por outro lado, crescer em e com violência permite ainda interiorizar a ideia de que esta pode efetivamente ser uma boa estratégia de resolução de problemas. E, não raras vezes, as crianças vítimas de violência são elas mesmo agressivas para com os outros, em casa, na escola ou noutros contextos.

Em mais um dia de comemoração dos direitos das crianças importa sublinhar que estes estão ainda muito longe de serem totalmente garantidos e respeitados. Não apenas os direitos de proteção (como ter uma família que proteja e assegure os bons tratos), de desenvolvimento (como o direito a brincar) e de sobrevivência (como ter o direito à educação e à saúde), mas também os direitos de participação (ter o direito a expressar o que pensa e sente e a ter a sua opinião tida em conta).

Como dizia recentemente o Dr. Laborinho Lúcio, é de pequenino que se torce o destino. Que é como quem diz, é muito daquilo que acontece na infância que influencia a trajetória de vida e a forma como estas crianças serão, um dia, adultos.

 

Rute Agulhas

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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