João Melo

Israel/Palestina: o xis do problema

João Melo

Três artigos publicados recentemente em dois jornais portugueses deveriam ser considerados definitivos em relação ao dilema do Médio Oriente. O primeiro, de autoria do professor e escritor António Jacinto Pascoal, saiu no Público no passado dia 30 de outubro: Dois pontos finais. O segundo foi publicado aqui no DN na última sexta-feira, 3 de novembro: Israel-Hamas: oito aspetos sobre o terrorismo neste conflito, escrito pela historiadora Joana Araújo Lopes. O terceiro, com o título (longo, como exige a complexidade da situação), A lista que guardo na mochila quando me pedem para falar de Palestina/Israel, do antropólogo Miguel Vale de Almeida, saiu ontem, 6, no Público.

Resumidamente, o artigo de António Pascoal ajuda a desmontar o mito da “democracia” israelita, que muitos, sintomaticamente, têm necessidade de dizer que preferem às autocracias árabes, mesmo quando criticam o genocídio dos palestinos por Telavive, como se a primeira justificasse o segundo. O autor escreveu, assim, entre outras notas fruto do seu conhecimento pessoal de Israel e de muitos israelitas, alguns deles intelectuais: “A sociedade israelita, dominada pela teocracia judaica, é, efetivamente, cosmopolita: Jerusalém é a Babilónia dos tempos modernos. Contudo, os israelitas não deixam de ser racistas, chauvinistas, anti-islamitas primários, misóginos, arrogantes e narcisistas, preenchidos de um ego que lhes permite acreditar serem um povo superior”.

O autor não hesita em concluir: “Não é verdade que os israelitas sejam, moralmente, muito melhores, quando comparados com os povos árabes.” Ou seja, acrescento eu, a “democracia” israelita tem muito mais imperfeições do que, por certo, Churchill gostaria…

O artigo de Joana Araújo Lopes arrasa com toda a propaganda israelita e, insista-se, ocidental em geral, segundo a qual apenas os palestinos e os restantes árabes são “terroristas”. Depois de afirmar que “o terrorismo é uma dimensão histórica do conflito” na região, ela lembra que as primeiras organizações terroristas nessa parte do mundo foram uma seita zelota-judaica, que atentava contra o Império Romano; mais recentemente, no período após a 1.ª Guerra Mundial, acrescenta a autora, “surge o Haganah (1920), um grupo paramilitar clandestino pró-judaico que, após 1948, serviu de base para as atuais Forças de Defesa de Israel. Surgem também os grupos terroristas pró-judaicos Irgun (1931) e Stern Gang/Lehi (1940), que perpetraram ações violentas contra militares britânicos e civis” (sublinhado meu).

Sim, caro leitor, leu bem: as primeiras organizações terroristas na região foram judaicas. Apenas em 1964, quase duas décadas após o fim da 2.ª Guerra Mundial, é que surgiu a Fatah/OLP (Organização de Libertação da Palestina), o primeiro movimento palestino a recorrer a métodos terroristas (que depois abandonou). Na década de 80, surgiram a Jihad Islâmica e o Hamas. Entretanto, e quanto a este último, António Pascoal lembra que a organização não é homogénea e que muitos dos seus militantes desaprovam a violência de tipo terrorista. Acrescentem-se as fartamente documentadas relações espúrias entre o Hamas e o Governo de Extrema-Direita de Telavive, para atestar a extrema complexidade da situação.

A minha derradeira referência é ao artigo de Miguel Vale de Almeida, publicado ontem no Público. Entre outros aspetos, o autor lembra a origem e a natureza colonial(ista) do Estado de Israel, coincidente, desde o início, ou seja, desde a Naqba (expulsão dos palestinos dos seus próprios territórios, para instalar Israel), com um conflito pela terra e pela legitimidade da sua posse. Sublinha Almeida: “Conflito assimétrico, entre um Estado e uma população.”

O antropólogo português sublinha também que “a situação agravou-se nos últimos anos, sobretudo com dois fatores: a transformação de Gaza numa prisão a céu aberto; a ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental por um crescente número de colonatos israelitas e com violência policial e militar (…). Para todos os efeitos práticos, e depois do falhanço dos Acordos de Oslo, a solução dos dois Estados tornou-se inviável (…)”.

Almeida não deixa de recordar que toda essa dramática transformação, gerou uma reação dos palestinos, que – assinala – “optaram pela violência de atentados”. Pergunte-se: o que faria qualquer outro povo nessa mesma situação? O jornalista israelita Gideon Levy contou que, um dia, perguntou a Ehud Barak, então candidato a primeiro-ministro, o que ele faria se estivesse no lugar dos palestinos. A resposta foi clara e sincera: “Teria ingressado numa organização terrorista!”

Em suma, a leitura destes três artigos obriga-nos a não perder tempo com falsas questões e, sobretudo, tergiversações, indo diretamente ao ponto. O que está em discussão na Palestina não é o “terrorismo” do Hamas versus o “bom-mocismo” de Israel, a “democracia” israelita versus a “autocracia” palestina ou árabe ou, pior ainda, a natureza “humana” e “civilizada” dos israelitas e a natureza “animalesca” dos palestinos, como pensam todos os racistas. O xis do problema é o direito dos palestinos a terem o seu próprio Estado.

Resolva-se isso, se for possível, e o terrorismo na região – que, insista-se, é “bilateral” – deixará de ter sentido.

 

Escritor e jornalista angolano

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