“Qualquer coisa eu fecho e temos de bazar. Aqui a avenida Julius Nyerere não dá para confiar”, conta o jovem, de 29 anos, que abriu a barraca para tratar de uma “emergência” nas unhas de uma cliente habitual, recordando os pneus a arder e a intervenção da polícia, naquele mesmo local, numa das manifestações da semana passada.
“Conseguir trabalhar, não. Só tinha que me ajeitar um pouco, tive cliente a me ligar. Consegues ver as tampas aí fora, só estou mesmo a tentar atender ela e depois vou fechar”, acrescenta Ivan Durão.
Há cinco anos que tem a sua barraca, só para tratar unhas, naquela avenida central de Maputo. No primeiro dos sete dias de paralisação pedida por Venâncio Mondlane está de olho na rua, até porque se houver manifestação, quer lá estar.
“O dia começa tipo normal, mas por aí acima das 12:00 o assunto será outro. Então tenho de estar lá”, diz, garantindo: “Também vou lá na marcha, porque não posso estar atrás”.
Numa ronda feita pela Lusa pela capital é visível pouco movimento ou trânsito automóvel, com estabelecimentos públicos e privados, bem como escolas e outros organismos, encerrados, apesar de alguns transportes públicos estarem a funcionar.
É também visível um reforço policial nas principais artérias da cidade, mas sem registo de problemas, enquanto alguns cafés e supermercados também estão de portas abertas.
É possível constatar que serviços de Internet como a plataforma de mensagens WhatsApp estão a operar com limitações, pelo menos em Maputo.
Ao final da manhã, Alberto Luís, 35 anos, caminha pela avenida Julius Nyerere em direção a casa.
“Não, hoje não se trabalha. Temos uma semana que vamos parar (…) Já me dispensaram, tenho que controlar a situação em casa”, explica.
“Agora ainda está calmo, mas a qualquer momento vai mudar. No final do dia”, prevê Alberto, técnico de informática num dia em que não pode usar, também, a rede WhatsApp: “Não há nada, está mal. Dependemos das outras instâncias”.
Venâncio Mondlane apelou a uma greve geral de uma semana em Moçambique a partir de hoje, manifestações nas sedes distritais da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e marchas em Maputo em 07 de novembro.
Junto ao popular mercado do Xiquelene, vendedores informais tentam fazer negócio, vendendo um pouco de tudo na rua, enquanto um reforço policial marca presença. Ainda assim, nesta zona dos subúrbios de Maputo, junto à Praça dos Combatentes, apesar de haver quem tente vender e prestar serviços, faltam os clientes.
“Não há nada, não há nada, não há clientes (…) não tem como, tenho que estar aqui”, conta Ivo João, 32 anos, sentado com a sua banca de reparação de telemóveis instalada na rua, com a fotografia de Venâncio Mondlane ali colada.
“Medo não falta, sempre temos medo”, admite, fazendo contas à falta de negócio, ao fim de quatro horas: “Até então, ainda”.
Enquanto vê o ambiente na rua “muito calmo mesmo”, também sabe que a qualquer momento tudo pode mudar e ter de fechar “mais cedo”.
“Se começarem com o barulho vou ter de sair”, admite.
Ana Gustavo, 42 anos, é uma das muitas agentes de carteira digital — serviços financeiros que funcionam a partir dos telemóveis — que ocupam a rua no Xiquelene e diz compreender a pouca procura também.
“Temos de reivindicar os nossos direitos. Tem que ser assim, deixar o Venâncio à parte, Venâncio não entra em nenhum sítio, Venâncio é um pilar para nós (…) o povo é que está descontente”, garante.
A polícia moçambicana enviou esta madrugada mensagens escritas para os telemóveis (SMS) pedindo à população que se abstenha de “práticas criminosas”, no primeiro dia de paralisação.
Mondlane designou esta como a terceira etapa da contestação aos resultados das eleições gerais de 09 de outubro anunciados há uma semana pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que se segue aos protestos realizados nos passados dias 21, 24 e 25.
Os protestos degeneraram em confrontos com a polícia, de que resultaram pelo menos 10 mortos, dezenas de feridos e 500 detidos, segundo o Centro de Integridade Pública, uma organização não-governamental moçambicana que monitoriza os processos eleitorais.
A CNE anunciou em 24 de outubro a vitória de Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, partido no poder desde 1975, na eleição a Presidente da República de 9 de outubro, com 70,67% dos votos.