Um novo estudo sobre a saúde mental dos estudantes universitários, divulgado em junho, revelou que seis a cada dez universitários em Portugal consideram-se tristes ou deprimidos, e que 40% consome algum tipo de medicamento psicotrópico.
A investigação, coordenada pela psicóloga Tânia Gaspar, da Universidade Lusófona, inquiriu 2.339 estudantes do ensino superior entre os 17 e os 35 anos, e concluiu ainda que um terço dos universitários demonstra sintomas de síndrome de ‘burnout’.
Intitulado ‘Ecossistemas de Aprendizagem Saudáveis nas Instituições de Ensino Superior em Portugal’, o inquérito, a que a Lusa teve acesso, demonstrou que o risco psicossocial relacionado com a saúde mental foi o que apresentou níveis mais elevados, com 61,6% dos estudantes a confessarem que no último mês se sentiram fisicamente exaustos, 46,2% a dizer que se sentiram irritados e 41,6% tristes.
Quase dois em cada três (65,5%) dizem-se incapazes de controlar as coisas que são importantes na sua vida, 61,5% tem falta de confiança na sua capacidade para lidar com os seus problemas e mais de metade (59,4%) sente que as dificuldades se acumulam ao ponto de não serem capazes de as ultrapassar.
Para perceber melhor em que consiste exatamente o ‘burnout’ nos estudantes universitários e as causas para o aumento desta síndrome, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Catarina Lucas, psicóloga, diretora do Centro Catarina Lucas e docente do Instituto Piaget de Almada na licenciatura em psicologia.
O que define o ‘burnout’?
O ‘burnout’ é uma resposta prolongada ao stress crónico, caracterizada por exaustão física e emocional, sentimentos de ineficácia e despersonalização. Manifesta-se pela sensação de esgotamento, desmotivação e dificuldade em lidar com as exigências do dia a dia.
A que sintomas se deve estar atento?
Os principais sintomas incluem cansaço extremo, falta de motivação, dificuldades de concentração, alterações no sono, sentimentos de inadequação, irritabilidade, distanciamento emocional e queda no rendimento ou produtividade. Também podem haver sinais físicos, como dores de cabeça ou problemas gastrointestinais.
Como se pode prevenir o ‘burnout’?
A prevenção do ‘burnout’ passa por uma boa gestão do tempo, pausas regulares, sono de qualidade, alimentação equilibrada e prática de atividade física. É importante manter uma rede de apoio, falar sobre o que se sente e procurar ajuda quando necessário. Definir limites e cultivar momentos de descanso também é fundamental.
Este tipo de stress crónico era mais comum nos adultos, ou sempre afetou as faixas etárias mais jovens e só agora é que está a ser abordado de forma mais clara? Se sim, porquê?
O stress crónico sempre afetou os mais jovens, mas só mais recentemente tem sido reconhecido e discutido com mais clareza. Durante muito tempo, associava-se o ‘burnout’ apenas ao contexto laboral e adulto. Hoje há maior consciencialização sobre a pressão académica, a instabilidade do futuro e as exigências sociais que afetam profundamente os estudantes.
O ‘burnout’ nos estudantes tem especificidades’? É diferente do ‘burnout’ nos adultos que estejam no mercado de trabalho?
Sim, o ‘burnout’ nos estudantes tem especificidades. Está mais associado à pressão por resultados, ao medo de falhar, à incerteza sobre o futuro e à sobrecarga académica. Nos adultos, o ‘burnout’ tende a surgir mais por exigências laborais, excesso de responsabilidades e falta de reconhecimento. Apesar de os sintomas serem semelhantes, as fontes de stress e o contexto são diferentes.
O que pode levar um estudante universitário a ter ‘burnout’?
Um estudante universitário pode desenvolver ‘burnout’ devido à carga excessiva de trabalhos e exames, pressão para ter boas notas, falta de tempo para descanso, insegurança em relação ao futuro, exigência interna elevada e dificuldades em conciliar a vida académica com a pessoal. A falta de apoio emocional e a comparação constante com os outros também contribuem.
Segundo o recente estudo, elaborado pelo Observatório dos Ambientes de Aprendizagem Saudáveis e Participação Juvenil, 61,6% dos estudantes confessaram que no último mês se sentiram fisicamente exaustos. Por que acha que os mesmos não estão a conseguir lidar com a pressão universitária?
Muitos estudantes não estão a conseguir lidar com a pressão universitária, porque enfrentam exigências elevadas sem o tempo, os recursos ou o apoio emocional necessários. A cultura do desempenho e a incerteza em relação ao futuro tornam difícil reconhecer limites. Além disso, muitos não aprenderam estratégias eficazes de gestão do stress ou sentem que pedir ajuda é sinal de fraqueza.
Quais os perigos do ‘burnout’ para o sucesso académico?
O ‘burnout’ compromete o rendimento académico, a capacidade de concentração e a motivação. Pode levar ao abandono dos estudos, aumentar a ansiedade e a depressão, e afetar a autoestima. A longo prazo prejudica, não só o percurso académico, mas também a saúde mental e o bem-estar geral.
Foi também revelado que 40% dos estudantes toma psicotrópicos. Este tipo de medicação pode realmente ajudar ou, por outro lado, pode ter efeitos indesejáveis?
A medicação psicotrópica pode ser útil em casos específicos, quando prescrita por um profissional e integrada num acompanhamento psicológico adequado. No entanto, o uso indiscriminado ou sem orientação pode trazer efeitos indesejáveis, como dependência, apatia ou agravamento dos sintomas. É essencial tratar a causa do ‘burnout’ e não apenas aliviar os sintomas.
Em que casos é que faz sentido, ou não, os profissionais de saúde prescreverem estes medicamentos?
A prescrição de psicotrópicos faz sentido quando há um diagnóstico claro de transtornos como ansiedade severa, depressão ou insónia que não melhoram com outras intervenções. Não é indicada para casos de stress ou cansaço normais, onde estratégias psicossociais e mudanças no estilo de vida devem ser prioridade. O acompanhamento médico e psicológico deve ser sempre integrado.
Por outro lado, os docentes podem ter um papel importante na prevenção do ‘burnout’ dos alunos? Se sim, como?
Sim, os docentes têm um papel fundamental na prevenção do ‘burnout’. Podem promover um ambiente de aprendizagem mais flexível, reconhecer sinais de cansaço nos alunos, incentivar o diálogo aberto sobre saúde mental e ajustar prazos quando necessário. Também é importante que valorizem o esforço dos estudantes e orientem para recursos de apoio disponíveis.
Os métodos de ensino atuais também podem aumentar o stress crónico? De que forma?
Os métodos de ensino atuais podem aumentar o stress crónico quando são excessivamente focados em avaliações constantes, trabalhos acumulados e pouca flexibilização. A pressão por desempenho, a falta de feedback construtivo e o ensino pouco participativo podem gerar ansiedade e desmotivação, agravando o ‘burnout’.
Neste momento, o que é que os universitários precisam para diminuir os seus níveis de stress?
Os universitários precisam de apoio emocional acessível, espaços para descompressão e uma gestão mais equilibrada das suas responsabilidades académicas. Também é fundamental promover a literacia emocional, incentivar hábitos de vida saudáveis e garantir que haja flexibilidade, tendo cuidado com as exigências para evitar sobrecarga.
De que forma o ‘burnout’ pode impactar o futuro de um estudante, seja a nível de saúde mental, mas também de adaptação à vida profissional?
O ‘burnout’ pode causar danos duradouros na saúde mental, como ansiedade crónica, depressão e baixa autoestima, dificultando o desenvolvimento pessoal. Na transição para a vida profissional, pode levar a dificuldades em gerir o stress, menor produtividade e insatisfação no trabalho, comprometendo o sucesso e a realização pessoal a longo prazo.
Considera que existe falta de sensibilidade nas instituições de ensino superior relativamente a este tema?
Acho que existe uma sensibilização cada vez maior, embora algumas instituições ainda mostrem pouca sensibilidade ou recursos adequados para lidar com o ‘burnout’ dos estudantes. Falta uma abordagem mais integrada que inclua prevenção, apoio psicológico acessível e formação para docentes sobre saúde mental. É preciso reconhecer o ‘burnout’ como uma questão urgente para garantir o bem-estar académico e pessoal dos alunos.
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