Na década passada, o Brasil e o mundo assistiram à volta do mercado de vinis para o mainstream da música. Clássicos que antes eram vistos como “datados” ou haviam sido esquecidos, emergiram, à época, cultuados por uma tribo específica, os hipsters. Mais especificamente nos últimos cinco anos, voltamos a ouvir músicas carregadas de características marcantes de 1980, uma década recheada de transformações sociais, comportamentais e, principalmente, de mudanças nos hábitos de consumo cultural. Essa volta foi pronunciada por artistas como Lizzo, Bruno Mars, Mark Ronson e Lady Gaga – além de outros que tiveram sucesso este ano, como Doja Cat, com Say So; Jessie Ware, com o recém-lançado álbum What’s Your Pleasure?; Dua Lipa com Future Nostalgia e a banda Half-Alive com a música still feel.
Podemos arriscar que depois da pandemia essa retomada se manterá firme, principalmente pelo aumento da indignação com o mundo e dos movimentos decorrentes dela. Produções de musicistas que cultuam este espírito jovial e libertador devem permanecer no topo das paradas, e os gritos de artistas por mudança devem ser cada vez mais entoados e incorporados ao mercado.
A mudança de padrão aparenta ocorrer ao mesmo tempo em que uma geração de cineastas e diretores de cinema tem suas produções influenciadas por esse período icônico que marcou a indústria cultural. A década de 1980 é, inclusive, apontada como a época em que a cultura pop começou a tomar uma forma bem definida. Mas as particularidades dos anos 80 saíram de moda em algum momento?
DO ANALÓGICO AO DIGITAL
Crítico de cinema, mestre em Artes/Cinema e doutorando em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Rizzo explica por que séries como Stranger Things e Sex Education, que utilizam referências de 40 anos atrás, são produzidas atualmente – e obtém muito sucesso. Segundo ele, “as crianças e adolescentes dos anos 1980 hoje são adultos que consomem cultura”, e essas produções trariam um “certo conforto saudosista, nostálgico”. Para ele, esse processo é natural e se dá conforme as décadas vão se afastando temporalmente, apesar de também reconhecer uma “certa romantização”.
O crítico afirma que não é possível apontar tendências geracionais e marcadas pelo tempo na indústria iconográfica, que é muito ampla. Ainda assim, acredita que a tentativa de resgate dos anos 1980 acontece, pois “é uma década de passagem para a época em que mergulhamos hoje, fortemente afetada pela tecnologia”. As representações criam um fascínio por compreender esse período, que se encontra entre o momento em que vivemos e o anterior, totalmente analógico.
A imagem de personagens ouvindo discos de vinil e fitas cassete é, de acordo com Sérgio, carregada de sentido, pois “o ritual de descobrir que chegou um novo vinil da sua banda preferida e levar aquilo para casa” está distante e romântico tanto para quem viveu isso quanto para os que apenas veem em produções audiovisuais.
“OITENTISMO” JOVEM
Questionado sobre a razão da paixão da Geração Z pela década de 1980, o também doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela USP, autor do livro Quem tem um sonho não dança – cultura jovem brasileira nos anos 80 e aficionado por esse período, Guilherme Bryan afirma que “os anos 80, na verdade, nunca saíram de moda”. O amor pela cultura oitentista, principalmente nos mais jovens, com certeza vem crescendo, mas nunca desapareceu para estar reaparecendo.
Guilherme insiste que filmes como Curtindo a Vida Adoidado e Clube dos Cinco sempre foram clássicos essenciais para um grande público. Ele também ressalta o fato de que, atualmente, são várias as décadas retomadas em produções culturais e, como Sérgio, diz que esse é um fenômeno comum. Na própria década de 1980 havia uma grande retomada da cultura e dos costumes dos anos 1960, por exemplo.
Além disso, segundo o autor e doutor, a referida época traz um forte sentimento, especialmente nos adolescentes e jovens adultos, já que foi uma década de empoderamento jovem, ao invés de culto da juventude. Com isso, Bryan queria dizer que as indústrias da música, do cinema e da moda produziam pautadas na revolta e no descontentamento com o conservadorismo, procurando deixar de lado a valorização somente da beleza e do corpo e passando a valorizar o espírito rebelde e de mudança. Guilherme lembra que o cantor de hip hop Grandmaster Flash ganhou projeção nessa época e marcou história com as críticas sociais presentes em The Message.
OS ANOS 80 ESTÃO DE VOLTA?
Sem querer alongar a resposta: sim. Mas a questão é muito mais complexa. Segundo Sérgio e Guilherme, como nunca saiu de moda, a cultura “oitentista” é romantizada, principalmente por ser conectada à Geração Z. Esse elo se dá pela indignação e rebeldia dos jovens, que acabavam de entrar no mercado de consumo cultural, muito recorrente tanto àquela época quanto hoje.