Bolsonaro esfarrapado

opinião

Um cidadão norte-americano foi parado pela polícia. Na revista, os agentes encontraram uma arma ilegal num bolso e cocaína no outro. Ele explicou que pediu as calças emprestadas a um primo para ir a uma discoteca e não reparara que ele tinha deixado a pistola e a droga nelas.

A defesa daquele cidadão, reproduzida no site dos advogados Westendorf & Khalaf, de Virginia Beach, é considerada a mais tola da história do escritório, em particular, e do estado da Virgínia, em geral.

Mas não é insuperável: um cidadão sul-americano vem se esforçando para bater a estratégia – Jair Bolsonaro, quem mais?

Quando ainda era presidente e estava protegido pela imunidade do cargo e o servilismo das autoridades, deu-se ao luxo de considerar “natural” a aquisição de quantidades exorbitantes de comprimidos Viagra, próteses penianas e botox pelo Ministério da Defesa para distribuir pelos militares.

E de não responder porque, depois de ser informado, não denunciou o esquema de corrupção envolvendo a aquisição de uma vacina contra a covid-19.

Nem porque recebeu tantas vezes no Planalto dois pastores acusados de distribuir verbas do ministério da Educação, nas mãos de um ministro-pastor, só aos municípios que lhes enchessem os bolsos de ouro.

À pergunta “porque 51 dos 108 imóveis comprados pela família Bolsonaro desde a entrada na política foram pagos com dinheiro vivo”, refugiou-se num “não é ilegal”.

Sem proteção desde 1 de janeiro, as desculpas de Bolsonaro teriam, necessariamente, de ser melhores – mas, pelo contrário, vêm surgindo cada vez mais esfarrapadas.

Por exemplo, a decisão de desviar joias de três milhões de euros, oferecidas pelo governo saudita ao estado brasileiro, para o acervo pessoal do ex-presidente pode não ter partido do próprio. “Pode ser que o seu pessoal tenha pensado “vamos fazer uma surpresa e entregar-lhe essas joias””, disse, sem se rir, Valdemar Costa Neto, presidente do partido dele, à Globonews.

Mas e por que razão um outro estojo com joias sauditas foi encontrado nos porões da casa do ex-campeão de fórmula 1 e bolsonarista convicto Nelson Piquet? Porque, naquela altura, Bolsonaro, já evacuado pelo voto popular do Palácio do Alvorada, “estava sem casa”, alegou, com cara séria, Fábio Wajngarten, ex-diretor de comunicação do ex-presidente.

Qual o motivo, entretanto, para Michelle Bolsonaro fazer pagamentos de despesas em dinheiro vivo? “Para que não xeretassem as despesas dela”, garantiu Valdemar, ainda sem se rir.

O uso de um cartão de crédito de uma amiga da primeira-dama para outras compras, descoberto nas investigações da polícia, são justificados pela sovinice. Como Bolsonaro é muito “pão duro”, a mulher utilizou-se do esquema para fugir do controle de gastos, argumentou, solene, a defesa do ex-presidente.

A disseminação de suspeitas de fraude eleitoral na eleição de Lula, dias depois dos ataques a Brasília perpetrados por apoiantes seus, deveu-se, como se sabe, “ao uso de morfina”. Bolsonaro não estava em si por causa da medicação usada para lhe desobstruir os intestinos, revela a teoria do “estava doidão”, como ficou conhecida a estratégia, defendida, com a sobriedade possível, pelos seus advogados.

Se um dia encontrarem uma quantidade ilegal de morfina num bolso das calças do ex-presidente e joias caras no outro, talvez ele alegue que as calças são de um primo.

 

João Almeida Moreira

Jornalista, correspondente em São Paulo

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