A juventude da MTV

opnião

Sempre que se evoca o impacto artístico, comercial e simbólico da MTV, refere-se o primeiro teledisco que a “Music Television” deu a ver, no dia 1 de agosto de 1981: Video Killed the Radio Star, dos Buggles, referência lendária da New Wave inglesa. E acrescenta-se que tal teledisco, realizado por Russell Mulcahy, serviu de bandeira a uma verdadeira revolução cultural: se o “video estava a matar as estrelas da rádio”, isso acontecia através de uma profunda transfiguração das matrizes audiovisuais, logo também musicais, enredada com uma dinâmica de muitas mudanças da própria juventude, seus valores e comportamentos.

Apesar disso, ou precisamente por causa disso, emerge uma pergunta clássica: de que falamos quando falamos de juventude? A pergunta justifica-se pelo facto de a instrumentalização da palavra “juventude” continuar a ser um fenómeno de todos os dias, não poucas vezes indexando os seus membros como unidades de um conjunto obrigatoriamente homogéneo, um “rebanho” sem clivagens: ouvem todos a mesma música, pensam todos da mesma maneira, vestem-se todos com o mesmo guarda-roupa…

Tais generalizações, além de disparatadas e alimentarem disparates, produzem um efeito de festiva apatia, regularmente ampliado pelas regras (ou a falta delas) do mundo mediático que habitamos. Observe-se, justamente, a triste evolução da MTV, lembrando que, nos seus princípios, o canal integrou uma ideia concisa e imaginativa de juventude. Podemos resumi-la através de uma sugestiva dualidade: os espectadores jovens eram concebidos (e tratados) como fãs da actualidade musical e observadores curiosos das componentes sociais e políticas do mundo à sua volta.

Nos EUA, na MTV original, tal ideia pode ser evocada através do exemplo de Kurt Loder (actualmente com 78 anos), jornalista que estava na revista Rolling Stone desde 1979, tendo mudado para a MTV em 1987. Foi um símbolo exemplar de uma atenção à actualidade que se concretizou através de muitas e excelentes entrevistas a artistas do pop/rock (Johnny Cash, Madonna, Rolling Stones, etc.), programas como The Week in Rock, depois intitulado MTV News, e uma atenção muito especial às eleições presidenciais americanas.

Damos um salto no tempo e ficamos a saber que… a MTV News acabou. Foi há pouco mais de uma semana, no dia 9 de maio, que a Paramount Global, proprietária maioritária do canal, anunciou que a redação jornalística da MTV chegou ao seu fim. Por aposta nalgum processo de reconversão estrutural, ou até num novo conceito de programação e informação? Nada disso: pela “necessidade” de reduzir 25% do pessoal da empresa. Terminou assim um modo de fazer notícias que, como se recordava num texto publicado no site da CNN americana, abrangeu “um leque de temas que iam da cultura pop à política, tornando-se uma referência fundamental para a Geração X e também para os adolescentes do novo milénio.”

No plano da política editorial, isto traduz uma linha de orientação que, infelizmente, se foi agravando a partir dos primeiros anos do actual milénio: invadida por programas medíocres de “reality TV”, secundarizando a música, os telediscos e os concertos, a MTV opta por desinvestir na… informação.

Para lá das questões de gestão financeira da empresa, ou melhor, através dessas questões, aquilo que emerge é um conceito hipócrita de juventude como uma entidade que não justifica investimento na informação e no jornalismo. Claro que a MTV não está sozinha nesta ligeireza. Através de linguagens televisivas muito poderosas e omnipresentes, incluindo modelos “juvenis” de publicidade, apresenta-se e, de alguma maneira, amplia-se a imagem da juventude como um grupo de consumidores que deve ser mediaticamente alimentado (e rentabilizado) através de celebrações quotidianas de futilidade, ignorando a complexidade do mundo em que vivem.

Os tempos mudam, de facto. Lembro-me de ser um dos defensores das novidades da MTV ao longo dos anos 80 – e de alguns valores de uma nova lógica cultural que estava a nascer -, em contraste com aqueles que menosprezavam o canal como uma coisa mais ou menos pitoresca, ou mesmo irrelevante, para “miúdos”, talvez apenas útil pelo modo como parecia aquietá-los face a um ecrã caseiro. Agora, sem desencadear grande comoção, a mesma MTV desiste de tratar a “sua” juventude através do peso e da seriedade de uma atenção sistemática à pluralidade das vivências socio-políticas – quase ninguém parece muito comovido com tal esvaziamento discursivo e ético. Em contextos como este, a juventude tornou-se uma bandeira equívoca, banalizada e instrumentalizada no interior de um simbolismo feito de generalizações e lugares-comuns.

 

João Lopes

Jornalista

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