Semanologia: Os Ricos e os Pobres

Opinião 01

Assinalo dois eventos que, no final de junho, tiveram desigual atenção mediática: a tragédia do desaparecimento de cinco ricos a bordo de um pequeno submarino, no Atlântico Norte, quando praticavam turismo subaquático; e a quase ignorada morte de 500 pobres, no Mediterrâneo, numa tentativa de chegarem à Europa.

No primeiro dia de julho, João Miguel Tavares, escrevia no Público um texto que tinha por título Um milionário não vale mais que um pobre. A sua história, sim.

O artigo dizia que eram compreensíveis as razões pelas quais a comunicação social tinha dedicado uma grande atenção ao desaparecimento da cápsula Titan, algures a 3700 metros de profundidade, e pouca atenção ao desaparecimento de 500 pessoas, entre as quais 100 crianças, ao largo da costa grega. E argumentava: “É colocar, de um lado, uma história extraordinária (nunca vista, aventureira, com gente identificável e um final indefinido de busca e salvamento), e, do outro, uma tragédia anónima e tristemente banal.”

A história de cinco afortunados será incrível e a de 500 desgraçados insignificante? O perfil dos cinco mortos no Atlântico é identificável, sim: diferentes formas de tenacidade, filhos de gente rica, aventureiros com capacidades técnicas. Pessoas que singraram no quadro de sociedades que favorecem os dinâmicos e empreendedores. Devem ser, por isso, reconhecidas. E, na morte, merecem ser respeitados.

Todavia, há coisas que vale a pena dizer sobre a vida dos pobres: quem nasce e vive em contextos deprimidos e difíceis, mesmo com criatividade, dificilmente pode escapar à roda da má sorte – por mais que uma criança seja inteligente e empreendedora no Sudão do Sul, que hipóteses tem de sucesso, entre a fome, a guerra e a doença? E como sabe João Miguel Tavares que a história dos ricos que desapareceram é especial e a dos pobres, banal? Fez alguma pesquisa sobre os 500 afogados?

A história destes ricos falecidos e dos ricos em geral é recebida como extraordinária. Porque prezamos a riqueza e admiramos, invejamos os ricos. Queremos ser como eles. Queremos ser eles: descer ao fundo dos mares, subir de foguetão até às estrelas. Mas quem quer ser pobre, comer o pão que o diabo amassou?

Esta contraposição é típica das sociedades materialistas, que vêm com deslumbre a posse de bens cintilantes e diminuem quem não os tem. Talvez os homens que desapareceram perto do Titanic tivessem histórias incríveis da sua vida para contar. Mas descer aos confins do oceano em turismo não é assim tão extraordinário – basta dinheiro e vontade para isso. Mas e os adultos e crianças que morreram no Mediterrâneo? Como dizer que as suas histórias são menores? O que sabemos nós das suas vidas e da perda que representam?

É que as histórias, dos ricos e dos pobres, acima de tudo, valem pela forma como são contadas. Era bom começar, também, a contar as extraordinárias histórias dos pobres.

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