
Os dados constam de uma nota complementar ao relatório “Portugal, Balanço Social 2025”, elaborado pela universidade Nova SBE, sobre “Género e violência em Portugal: Um Retrato da Desigualdade”, e a que a Lusa teve acesso.
A análise, que tem por base estatísticas do Inquérito sobre Segurança no Espaço Público e Privado de 2022, do Instituto Nacional de Estatística (INE), e dos inquéritos europeus sobre violência de género, dá conta de que quase metade da população portuguesa já sofreu algum tipo de violência em algum período da vida, afetando 46,8% das mulheres e 42,6% dos homens.
“A violência na intimidade é mais frequente entre as mulheres, afetando 22,5%, face a 17,1% dos homens. A violência sexual também afeta desproporcionadamente as mulheres, com 6,4% das mulheres e 2,2% dos homens a declararem ter sido vítimas”, revela a análise.
Acrescenta que, apesar de a violência física e/ou sexual afetar ambos os géneros, afeta com “maior gravidade e repetição” as mulheres, apontando que “19,7% das mulheres foram vítimas, e em mais de metade dos casos os episódios repetiram-se ao longo do tempo”.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do trabalho destacou a importância de inquéritos como o realizado pelo INE, apesar de não ser possível fazer análise comparativa porque ainda só foi feito o de 2022, porque ajudam a compreender se determinado crime está a aumentar ou está a ser mais denunciado.
“Estamos a falar especificamente de violência de género e nós não conseguimos medir estas coisas sem ser com inquéritos representativos porque se estamos à espera daqueles que aparecem nas denúncias à polícia, ou depois fazem o seu caminho para o sistema judicial, vamos estar sempre a apanhar apenas a ponta do icebergue”, apontou Susana Peralta.
Para a investigadora, o inquérito do INE é “importante porque permite comparar a prevalência da violência”, tanto nas mulheres como nos homens, e perceber, por exemplo, que no caso dos homens há “uma menor probabilidade de reportar [o crime] porque há um estigma social maior associado (…), designadamente no contexto doméstico”.
No entanto, a análise “evidencia que a severidade da violência é mais elevada entre as mulheres: 62,7% reportam danos físicos e 19,3% referem limitações nas atividades diárias em consequência das agressões”.
“Entre os homens, esses valores são inferiores, o que reforça a desigualdade no impacto e nas consequências da violência”, lê-se no documento.
Esta recente análise demonstra também que, apesar da magnitude do fenómeno, as denúncias ainda são limitadas, já que “apenas 65,3% das vítimas comunicaram o sucedido” e “mais de 60% recorreram apenas a familiares e amigos”, enquanto “cerca de 20% [fez queixa] às autoridades”.
“As diferenças de género também se manifestam nas perceções de segurança”, refere o relatório, apontando que para 77,1% de mulheres que dizem sentir-se seguras quando andam sozinhas na rua à noite, há 89,5% de homens.
Por outro lado, “44% das mulheres consideram que a violência exercida por maridos ou companheiros contra mulheres é muito comum, enquanto apenas 25% dos homens partilham essa perceção”.
“Apenas 10,5% das mulheres e 6,9% dos homens reconhecem a violência contra os homens por parte das mulheres ou companheiras como um fenómeno muito comum. Os dados demonstram que, embora a consciência sobre a violência contra as mulheres seja elevada, a vitimização masculina tende a ser subestimada”, refere.
A desigualdade de género também está presente no contexto laboral, com registo de 23,8% de mulheres a afirmarem ter sido vítimas de assédio persistente e 12,3% de assédio sexual, enquanto entre os homens esses valores baixam para 17,3% e 5,1%, respetivamente.
Na comparação com os outros países europeus, é possível constatar que Portugal apresenta “níveis de prevalência de violência mais baixos do que a média da União Europeia”, mas com taxas de denúncia inferiores, o que poderá indicar que “o estigma social e a desconfiança institucional continuam a ser obstáculos à denúncia e à proteção eficaz das vítimas”.
“As mulheres efetivamente são mais frequentemente vítimas de violência e sobretudo são com maior frequência vítimas de formas de violência mais graves, ou seja, não só do ponto de vista das consequências físicas e psicológicas, como também da duração ao longo do tempo, da repetição”, destacou Susana Peralta.
Relativamente ao desenho de políticas públicas, a investigadora apontou que a análise demonstra o desconhecimento das vítimas em relação a linhas de apoio e que é, por isso, “fundamental” criar “portas de entrada das vítimas” no sistema e que elas sintam confiança.
A análise conclui ainda que “os progressos alcançados na igualdade formal entre homens e mulheres não eliminam as desigualdades substanciais que persistem no quotidiano e que “a violência de género é simultaneamente uma causa e uma consequência dessas desigualdades que exige uma resposta pública articulada, que combine educação, prevenção, apoio social e justiça”.

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