O Presidente da República, o primeiro-ministro e as lideranças das oposições estão absolutamente necessitados de recordar a razão pela qual o Banco Central Europeu nasceu independente e a razão é muito simples: “Se os governos tivessem um controlo direto sobre os bancos centrais, os políticos poderiam sentir-se tentados a alterar as taxas de juro em seu benefício para criar períodos de expansão económica de curta duração ou utilizar a moeda do banco central para financiar medidas de política populares. No longo prazo tal prejudicaria gravemente a economia.” Ou seja, lendo o que está escrito na página da própria instituição, a autonomia do BCE serve para livrar os cidadãos dos políticos que elegem.
Significa que o BCE faz tudo bem e os políticos que elegemos tudo mal? Não e não!
O banco liderado por Christine Lagarde esteve francamente mal e chegou atrasado ao combate para travar a inflação, sendo que nessa altura os governos aplaudiram a inação da instituição, querendo convencer-se de que a inflação era passageira. Houve quem avisasse com muita antecedência para o risco de deixar andar e quem, neste exato momento, volte a lembrar que o pior que nos podia acontecer era o BCE falhar na sua missão de colocar a inflação novamente perto dos 2%. Ricardo Reis lembra que uma das grandes motivações para controlar a inflação é a perda de poder de compra dos trabalhadores, cujos salários demoram sempre mais tempo a atualizar. Nos próximos tempos os salários vão ajustar em alta e as margens das empresas ajustar em baixa, mas isso só será possível com a política monetária correta.
Regressando ao economista da LSE, o que Marcelo, Costa & companhia precisam de entender são conceitos simples de economia: “Um preço não é mais do que o valor de um bem em euros e a inflação não é mais do que uma medida da perda de valor desses euros. A inflação está alta hoje porque a política monetária há um ano ou dois fixou as taxas de juro demasiado baixas ou criou demasiado dinheiro em relação ao que seria adequado para o nível de produção de bens na nossa economia”, escreve Ricardo Reis este fim de semana no Expresso. É certo que ele fala para o mundo, mas é também nosso privilégio que ele dedique uma boa parte do seu tempo olhando e comentando a economia do nosso país.
Países como Portugal, com a economia muito endividada, pagam sempre com mais dificuldade a necessidade de uma subida das taxas de juro, o instrumento dos bancos centrais para combater a subida da inflação. Mas verdadeiramente grave seria o fracasso desse combate. Este é um ano em que precisamos que os políticos tenham razão, dando razão a quem a tem. A política monetária é coisa demasiado séria para ser entregue a políticos e foi percebendo isso que esses mesmos políticos aceitaram a independência dos principais bancos centrais. Que esses mesmos políticos, nos momentos mais difíceis, queiram fazer-nos crer que se opõem às decisões dessas instituições é só a forma que encontraram de continuarem a ser populistas sem correrem o risco de espatifar ainda mais a economia. Quando ouvirem Marcelo ou Costa falar do BCE, façam um favor a vocês próprios: googlem “Ricardo Reis política monetária”.
* Ricardo Reis leciona Economia na London School of Economics, sendo titular da cátedra A.W. Phillips. Consultor académico do Banco de Inglaterra e da Reserva Federal de Richmond, é convidado regular do BCE para o seu fórum anual em Sintra e escreve semanalmente no Expresso.
Jornalista
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