Fomos à Calçada dos Caetanos homenagear a memória de António Quadros, ensaísta, pedagogo, pensador e homem de ação. Naquela casa em que a lembrança de espíritos marcantes da cultura portuguesa se encontra bem viva, sentimos a alma que habita as cidades. Ramalho Ortigão foi o primeiro a vir para ali, para o último andar; Joaquim Pedro Oliveira Martins sucedeu-lhe, decerto com a mediação de Eça de Queiroz. E depois da morte de minha tia Vitória, viúva do historiador, veio o jovem casal Fernanda de Castro e António Ferro e mais tarde, para o segundo andar, vieram os artistas Ofélia e Bernardo Marques, Fred Kradolfer e o poeta José Gomes Ferreira. Foi o tempo do “soviete dos Caetanos”, onde se partilhava o tempo, o espírito e o demais que era preciso. O jovem António Quadros passou a sua juventude naquela casa com a família e foi essa memória que quisemos tornar mais presente. E falámos de tudo naquela manhã soalheira e poeirenta, tendo como testemunhas qualificadas o presidente do município, o vereador da cultura, a presidente da junta de freguesia da Misericórdia e Mafalda Ferro, verdadeira alma da Fundação António Quadros. E o que veio à baila? A obra do homenageado, entre Razão e Mistério, as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, exemplo único, que hoje é recordado com emoção pelos muitos beneficiários dessa presença em todo o país. Ainda agora, percorrendo Portugal, encontro testemunhos tocantes dos que se lembram do que sentiam quando a carrinha Gulbenkian chegava à sua terra. Era uma emoção poder usufruir da leitura das obras de uma biblioteca fundamental, dando azo à imaginação e à criatividade cultural. O dia de chegada era um momento sagrado, no qual se renovava a leitura e se satisfazia a curiosidade. Ainda hoje, me apercebo de uma lágrima teimosa nos olhos de muitos, que recorda o insubstituível lugar dessa memória. A leitura dos livros era um incentivo para saber mais, um abrir de novos horizontes, um modo de emancipação – fosse com obras clássicas, com literatura ou com a iniciação científica. Foi Branquinho da Fonseca quem convidou António Quadros, em 1958, para o Serviço das Bibliotecas Itinerantes, tendo ele ocupado os cargos de presidente da Comissão de Escolha de Livros, Inspetor-Geral, de Diretor-Adjunto (1969), e Diretor de Serviço depois da morte de Branquinho da Fonseca (1974) e de Domingos Monteiro (1980). A comissão de leitura examinou 11.499 obras e contou com a participação de Tomás Kim, Natércia Freire, Orlando Vitorino ou Breda Simões. Durante mais de vinte anos a principal atividade profissional de António Quadros foi a das Bibliotecas Itinerantes – em paralelo com uma permanente reflexão sobre a História da Arte e da Cultura Portuguesa. A partir de 1969, tornar-se-ia o impulsionador do IADE (inicialmente Instituto de Arte e Decoração, depois Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing). Até 1981, já depois da morte de Domingos Monteiro continuará funções nas Bibliotecas Itinerantes. Há, assim, uma coerência irrepreensível nas prioridades que desenvolveu, ligadas à noção dinâmica de “paideia”, quer no tocante à promoção da leitura e da educação para todos, quer no tocante à ligação entre a educação e as artes, ciente de que o desenvolvimento das capacidades humanas e a valorização da aprendizagem obrigavam a superar fronteiras.
Guilherme d’Oliveira Martins
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian