Nos últimos dias, duas notícias se destacaram no Brasil. A segunda, de dia 19, é a de mais um ataque a tiro numa escola, desta vez em Cambé, no Paraná, que causou a morte de um casal de namorados, de 16 e de 17 anos.
Foram os 46.º e 47.º mortos em 25 atentados do tipo no país desde 2002, segundo levantamento do instituto Sou da Paz. Há registo de 136 feridos. Armas de fogo foram usadas em 48% dos ataques e causaram 76% das vítimas fatais. Todos os agressores, fossem crianças, adolescentes ou já adultos, eram do sexo masculino.
Num país com a obsessão brega de imitar os Estados Unidos em tudo, copia-se do primo rico do norte, sobretudo, o que ele tem de pior, como a moda tétrica de praticar atentados cobardes contra inocentes para fintar o anonimato. E a de usar armas de fogo a torto e a direito. Além, claro, a de elevar a cargos de poder representantes da masculinidade mais abjeta, como o Trump original e o Trump de bolso.
A outra notícia em destaque dos últimos dias é menos trágica, pelo menos à superfície. Na calada da noite de dia 14, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei contra “a discriminação dos políticos” – isso mesmo – no tempo recorde de uma hora e 58 minutos.
Na verdade, como cronometrou o colunista Bruno Boghossian, da delegação de Brasília do jornal Folha de S. Paulo, não foi recorde. Em maio, a Comissão de Constituição e Justiça da mesma Câmara aprovara em uma hora e 52 minutos uma amnistia aos partidos que cometeram irregularidades eleitorais.
Não é mesmo recorde: em dezembro de 2022, os parlamentares, aproveitando o vácuo entre presidentes, votaram em uma hora e 32 minutos o aumento dos salários das cúpulas dos Três Poderes. E, uns dias depois, aprovaram um projeto que flexibiliza a nomeação de políticos para empresas estatais em meros 42 minutos, esse sim, o recorde nacional da velocidade – e da impunidade.
Quem acompanha o Congresso Nacional sabe-o: quanto mais rápida é a votação, mais obscuros são os interesses dela; quanto mais noturna é a aprovação, menos republicano é o alcance dela.
No texto contra “a discriminação de políticos” da noite de dia 14, não por acaso redigido pela parlamentar Dani Cunha, filha do ex-chefe dos deputados Eduardo Cunha, aquele que derrubou Dilma Rousseff em impeachment e está envolvido em casos de corrupção até aos óculos, lê-se que as “pessoas expostas politicamente”, isto é, parlamentares, magistrados, procuradores, dirigentes políticos e respetivos familiares, não podem ter pedidos de crédito bancário negado. O objetivo é driblar as leis contra a fuga de divisas e a lavagem de dinheiro.
Se parte dos deputados do Brasil vê os Estados Unidos como paraíso na terra, podia, pelo menos, tentar reproduzir a Câmara dos Representantes de Washington, que, mesmo não sendo um exemplo de transparência, tem uma réstia de vergonha para não legislar em causa própria, sem debate público, à pressão.
Até porque a imagem de marca do Parlamento brasileiro não é a ligeireza: é a lentidão na votação de matérias fundamentais para o país. Só na referida Comissão de Constituição e Justiça da Câmara há mais de nove mil projetos de lei engavetados, segundo o deputado Rui Falcão, que tomou posse do comando da comissão em março.
Um dos projetos parados é o das leis de combate a atentados nas escolas.
Jornalista,
correspondente em São Paulo