Marcelo mantém intacto o poder de dissolução, mas já se contentava com uma remodelação. Pensada nas férias e concretizada no regresso, antes da discussão do OE, era o que melhor servia o enredo presidencial. Feita no final do ano, depois de aprovado o OE, também serve e as Europeias são o limite. O Presidente quer ver Costa a apostar tudo para vencer as eleições do próximo ano, de preferência perdendo-as. Mas a vitória do PS também lhe serve, ou o empate, porque obriga o PSD a repensar o futuro e dá-lhe uma boa desculpa para o falhanço com a questão da dissolução do Parlamento. Em política, fazer profecias à espera que elas se autoconcretizem é um pau de dois bicos: pressiona o adversário, mas também cria uma expectativa que pode não ser cumprida. Foi o que fez Marcelo com o Conselho de Estado da semana passada e o tiro saiu-lhe pela culatra.
A vida retoma em setembro, diz-nos o Presidente. Por agora, estamos no intervalo do Conselho, convocado no rescaldo da crise institucional que nasceu da recusa do primeiro-ministro em remodelar o Governo, pelo menos na parte que diz respeito a João Galamba. Quando regressarmos das férias grandes que Marcelo deu à política, para terminar um debate em que até o primeiro-ministro reconhece que o país tem problemas, saberemos se o Presidente quer dar sequência à expectativa que criou de não deixar cair o dossiê da TAP, pelo que ele revela da “maioria requentada e cansada”. Mas Costa tem tido a capacidade de antecipar os passos seguintes de Marcelo e este não ficou com a vida facilitada depois da interrupção forçada por mais um jogo de futebol.
Não são apenas as sondagens que desaconselham o recurso “a poderes de exercício excecional” e o que Marcelo tem mesmo de evitar é viver contando os dias em que mantém constitucionalmente o poder de usar a bomba atómica.
Terão passado quatro meses desde que, no início de maio, confirmou que eram excessivas as referências constantes que vinha fazendo à possibilidade de dissolução. Nesse dia, respondendo à recusa do primeiro-ministro em exonerar o seu ministro das Infraestruturas, o chefe de Estado queixou-se de “tentativas isoladas ou concertadas para enfraquecer a função presidencial”, mas o tempo que passa mostra que pode ter sido o próprio a enfraquecer inadvertidamente a sua função. Não são apenas as sondagens que desaconselham o recurso “a poderes de exercício excecional” e o que Marcelo tem mesmo de evitar é viver contando os dias em que mantém constitucionalmente o poder de usar a bomba atómica. Para não cair na tentação de a usar com o único propósito de provar a si próprio e ao país político que mantém intactos os seus poderes.
A ação política de um Presidente dispensa bem as ansiedades com que Marcelo está a gerir as relações com Costa, um político bastante mais frio e pragmático. O Presidente precisa de regressar ao povo, que não está satisfeito com o Governo e não confia nas Oposições como alternativa, precisa de dar visibilidade aos problemas da imensa maioria para quem a vida está pior do que estava quando o PS de António Costa obteve uma maioria absoluta. É a única forma de não deixar enfraquecer a função presidencial. A dissolução não pode ser vista como um castigo de um Presidente a um primeiro-ministro que promoveu um conflito institucional, ela existe com o único propósito de procurar recuperar condições de governabilidade que possam estar irremediavelmente perdidas no contexto político do momento.
Paulo Baldaia
Jornalista