Lula e a esquerda woke

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Lula da Silva tomou posse como presidente da República do Brasil pela primeira vez, em 2003, quando o mundo era um, e tomou posse como presidente da República do Brasil pela terceira vez, em 2023, quando o mundo é outro.

Como da primeira vez tinha 57 anos e da segunda 77, para aliviar as críticas sobre a idade disse logo no início da campanha, há cerca de um ano, que tinha “energia de 30 e tesão de 20”. Mas, como a expressão incomodou uma parcela das eleitoras femininas, daí para a frente passou a usar “motivação de 20”.

Depois de quatro anos de um governo, de Jair Bolsonaro, que excluía brasileiros vulneráveis, os comícios de Lula incluíam muitas citações a “índios” e a “escravos” para júbilo da esquerda – ou, melhor, de parte dela porque a mais “antenada” com os novos tempos pedia logo ao veterano candidato para usar os mais apropriados “indígena” e “escravizado”.

O então candidato dirigiu-se primeiro às mulheres no evento do lançamento da lista, o que mereceu aplausos, mas não tão efusivos como se tivesse optado pelo todes, como sugerido por membros da cúpula da comunidade LGBTQIA+.

Nesse lançamento, a apresentadora Lika Rosa, uma competidora de batalhas de poesia urbana comprometida com o combate ao racismo estrutural brasileiro, começou o evento com um importante “escurecimento”: “Quero aqui fazer um esclarecimento ou escurecimento: é importante deixar claro, ou escuro, que hoje nós não estamos lançando candidaturas, nós estamos lançando, sim, um movimento”.

Sentindo-se já plenamente atualizado aos novos tempos, Lula anunciou logo a seguir, cheio de confiança, a criação de um ministério dos Povos Originários, cujo ministro, sublinhou, “não poderia ser um branco”, como ele, “nem uma galega, como a [presidente do Partido dos Trabalhadores] Gleisi Hoffmann”. “Terá de ser um índio ou uma índia!”, disparou.

Não Lula: para começar, não é índio, é indígena; mas, optando pelo termo pejorativo, tem, pelo menos, de colocar sempre a “índia” antes do “índio” e não depois; e “galega”, usado no Nordeste para classificar mulheres loiras, é uma expressão, no mínimo, problemática.

Já presidente, num discurso de improviso sobre a tragédia dos ataques a escolas no país, disse que “se a Organização Mundial da Saúde afirma que a Humanidade deve ter mais ou menos 15% de pessoas com deficiência mental, pode, uma hora qualquer, acontecer uma desgraça porque existem 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso no Brasil”. Horas depois, pedia “desculpas” a “toda a comunidade PCD [pessoas com deficiência]”.

Lula, dirige-se com frequência aos mais pobres, que em 2003 entraram pela primeira vez em 500 anos de Brasil na sociedade de consumo. Por isso, a cada discurso sublinhava que o povo, com ele, voltaria “a comer picanha e um churrasquinho”. As palavras soavam como música à maioria dos eleitores, mas criavam um ruído terrível nos ouvidos dos lulistas veganos e defensores dos direitos dos animais e por isso ele inibiu-se de as repetir.

Ou seja, além de enfrentar pastores e reverendos evangélicos à direita, Lula tem de adaptar-se ao evangelho woke à esquerda.

É justo, diz a esquerda “canceladora”, lembrando que não deixou de apoiar e votar em massa no candidato que no início do século dizia que “a mulher não tem de ser submissa ao homem por um prato de comida, tem de ser submissa porque gosta dele” e, mais tarde, chamou as feministas de esquerda de “mulheres de grelo duro”.

 

 

João Almeida Moreira

Jornalista, correspondente em São Paulo

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