• Setembro 19, 2025
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Infância em crise: quando o valor está na marca

Setembro traz consigo o regresso às aulas: as listas intermináveis de material escolar, os corredores das papelarias cheios e a azáfama própria desta época. Regressa também uma realidade cada vez mais preocupante: a exigência crescente das crianças e adolescentes de que tudo seja de determinada marca: a mochila tem de ser “aquela”, os ténis têm de ser “aqueles”, até os cadernos já não podem ser simples.

Por detrás desta pressão silenciosa estão pais que, na ânsia de não deixar os filhos “ficarem para trás”, acabam por se desdobrar em mais do que um trabalho, cortam nas próprias despesas e acumulam dívidas. Muitos não tiram férias há anos e chegam ao final do dia esgotados, apenas para responder a vontades que em nada têm de necessidades. Pior ainda, muitas vezes nem recebem um “obrigado” em troca, mas sim mais exigências para acompanhar a moda seguinte. Isto gera um cenário cruel: uma geração que cresce sem noção do esforço que sustenta os seus caprichos e cria um ciclo perigoso: jovens mimados, pouco preparados para lidar com a frustração e convencidos de que tudo lhes é devido.

É certo que as crianças não carregam toda a culpa. Vivemos num tempo em que as redes sociais, a publicidade e até os próprios grupos de colegas reforçam a ideia de que quem não exibe, não pertence. O estatuto medido em logótipos tornou-se um critério de integração. Mas até que ponto os adultos devem ceder a esse jogo?

As gerações anteriores cresceram de forma muito diferente. Os cadernos eram aproveitados de ano para ano, as roupas passavam de irmãos para irmãos. Ninguém ficava de fora por não ter uma marca específica. Hoje, porém, criamos um ambiente em que o valor parece medir-se pelo que se veste e não pelo que se é.

O mais preocupante é que, ao ceder constantemente, os pais não estão apenas a dar bens materiais: estão a ensinar, ainda que sem querer, que o mundo funciona assim, que basta exigir para receber. No entanto, a vida adulta não oferece as mesmas facilidades. Mais cedo ou mais tarde, estas crianças enfrentarão a frustração de um “não” e talvez não estejam preparadas para lidar com ele.

É urgente refletir sobre este caminho. Será que não estamos apenas a financiar em vez de educar? Será que, na tentativa de dar o melhor aos nossos filhos, não estaremos a retirar-lhes a capacidade de reconhecer o valor do esforço, de perceber o sacrifício ou de distinguir entre querer e precisar?

Se nada mudar, corremos o risco de criar uma geração frágil, sem ferramentas emocionais para enfrentar o mundo que as espera. E essa poderá ser a herança mais dura que os pais, com a melhor das intenções, acabarão por deixar.

 

Lícia Alves – Comunidade Lusa

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