• Setembro 9, 2025
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Fisioterapia só para recuperar de lesão ou doença? “Vai muito além disso”

Pode só procurar a ajuda de um fisioterapeuta quando está num processo de recuperação de uma lesão ou de uma doença. Contudo, o papel deste especialista pode ser um pouco limitado quando é tratado desta forma.

“Muitas pessoas não só subestimam o impacto da fisioterapia, como a associam à prevenção de doenças, que pode ser bastante redutor dos amplos benefícios”, revelou em entrevista ao Lifestyle ao Minuto Válter Rodrigues, fisioterapeuta na equipa Remeo, da Linde Saúde

Esta segunda-feira, 8 de setembro, assinala-se o Dia Mundial da Fisioterapia. Os benefícios desta área podem ser por vezes pouco considerados e o especialista acredita que é preciso mudar mentalidades.

“A fisioterapia é frequentemente associada ao tratamento e recuperação de uma determinada lesão ou doença. Contudo, o seu papel vai muito além disso. Ser fisioterapeuta, é também atuar na promoção da saúde e na prevenção primária, para promover e ou ajudar a manter a qualidade de vida de quem cuidamos.”

Na entrevista, Válter Rodrigues falou ainda dos desafios atuais no Serviço Nacional de Saúde e também na importância da fisioterapia respiratória, que acabou por crescer muito devido à Covid-19.

Muitas pessoas ainda subestimam o impacto da fisioterapia na prevenção de doenças?

Muitas pessoas não só subestimam o impacto da fisioterapia, como a associam à prevenção de doenças, que pode ser bastante redutor dos amplos benefícios desta área, sendo que a ausência de doença por si só não se traduz em ter saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a saúde é, sim, “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”. A fisioterapia é frequentemente associada ao tratamento e recuperação de uma determinada lesão ou doença. Contudo, o seu papel vai muito além disso. Ser fisioterapeuta, é também atuar na promoção da saúde e na prevenção primária, para promover e/ou ajudar a manter a qualidade de vida de quem cuidamos.

Porque acha que isto ainda acontece?

O baixo nível de acesso à fisioterapia pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) certamente contribui negativamente. De acordo com a Ordem dos Fisioterapeutas, de entre cerca de 13.000 fisioterapeutas existentes em Portugal, apenas 1.500 trabalham no SNS, números que se revelam bastante insuficientes para a demanda, e resultando em tempos de espera mais longos para os utentes. Além disso, e através de relatos de vários colegas meus de profissão que trabalham no SNS, ou até mesmo de doentes com os quais já intervim na minha prática, a realidade das clínicas convencionadas com o SNS, ou até mesmo em hospitais, é de rácios que podem chegar até 3 ou 4 doentes/hora “tratados”. Sim, com aspas, pois é impossível para um fisioterapeuta intervir de forma efetiva com a pressão associada ao tempo e às listas de espera.

Ainda se pensa que é algo que se pode fazer em casa e sem apoio de um profissional?

Creio que, atualmente, a população, ainda que por vezes possa não estar desperta para a importância da fisioterapia na resolução de um determinado problema de saúde, encontra-se mais ciente de que não é possível realizar fisioterapia sem apoio, propriamente, de um fisioterapeuta. É importante referir que a fisioterapia pode ser realizada em casa, com o devido acompanhamento por parte do fisioterapeuta, sendo este um dos contextos de prática para os quais devemos estar preparados, com o recurso às devidas ferramentas de trabalho. Dou como exemplo um dos casos em que a oportunidade da realização de fisioterapia no domicílio pode ser fundamental para o processo de recuperação: Em doentes neurológicos que tenham estado internados e que tenham regressado a casa, a fisioterapia poderá ajudar na adoção de estratégias para barreiras arquitetónicas identificadas, e aumentar a funcionalidade do doente em tarefas funcionais do seu dia-a-dia que acabam por estar mais afetadas, como levantar/deitar da cama, sentar/levantar, a marcha, subir/descer escadas.

Porque é que este pensamento é errado e o que pode ser feito para mudá-lo?

Presentemente, e com o ‘boom’ de novas apps de saúde, vídeos e redes sociais, pode erradamente conceber-se a ideia de que é suficiente seguir instruções sem supervisão profissional. Por exemplo, na sequência de dores/lesões musculares, as pessoas podem tentar realizar exercícios genéricos em casa que, caso inadequados, podem agravar lesões. É essencial investir em literacia em saúde, divulgação clara dos benefícios da prevenção e experiências práticas supervisionadas. Quando as pessoas sentem os efeitos e resultados práticos do acompanhamento profissional e têm acesso facilitado, tenderão a valorizar o impacto real da fisioterapia.

Qual o papel na reabilitação e na prevenção de complicações clínicas?

A fisioterapia contribui para uma melhor qualidade de vida dos doentes, focando-se nas suas preferências, e no que estas pessoas mais valorizam no seu dia-a-dia, de forma a manterem-se funcionais. A prevenção de complicações clínicas contribui também para diminuir a pressão no SNS.

Acaba por ser importante numa altura em que se vê o envelhecimento da população e alguma sobrecarga no Serviço Nacional de Saúde?

É fulcral o direcionamento para a intervenção precoce em ambulatório e na comunidade, pelo que a prevenção primária em primeira instância ajudará a evitar idas às urgências e internamentos desnecessários. Além disso, libertam recursos hospitalares e aproximam os cuidados da população. Ainda assim, há muito trabalho pela frente por parte das entidades competentes, no sentido de tornar estes cuidados de saúde mais equitativos e acessíveis à população, com mais qualidade e com mais recursos humanos. Em baixas por profissionais por lesões musculo-esqueléticas associadas ao trabalho, a fisioterapia ajuda as pessoas em idade ativa a regressar mais cedo ao trabalho após lesões ou doenças, logo, menos baixas traduzem-se em menor impacto socioeconómico. Em situações em que uma cirurgia é inevitável , como coluna, ombro, joelho, uma boa preparação pré-operatória com a fisioterapia acelera a recuperação, diminuindo custos pós-operatórios. A reabilitação evita situações de dependência prolongada, como idosos ou pessoas com doenças crónicas a precisar de menos apoio em lares ou cuidados continuados subsidiados, traduzindo-se em redução da despesa pública.

No caso da fisioterapia respiratória, como pode ser usada na recuperação dos pacientes?

A fisioterapia respiratória encontra-se presente em doentes mais críticos nas unidades de cuidados intensivos, com a mobilização precoce. Dependendo da condição e história clínica, a fisioterapia respiratória indicada em doentes que tenham dificuldade em realizar uma adequada higiene brônquica, ou seja, em remover as secreções que o organismo produz em situações como infeções respiratórias agudas ou outras condições crónicas como a doença pulmonar obstrutiva crónica, ou até mesmo em pediatria, em bebés com as ‘famosas’ bronquiolites. Os doentes respiratórios, com o agravar de sintomas como a falta de ar e o cansaço fácil, tendem a ficar (ainda) mais sedentários, o que acentua o seu descondicionamento e inatividade física, formando-se uma bola de neve. Desta forma, a fisioterapia respiratória é, também, fundamental para capacitar os doentes na gestão de sintomas, através da realização de exercícios de controlo ventilatório, adoção de posturas próprias para melhor recuperação após um esforço, ou na realização de uma adequada higiene brônquica. O seu papel estende-se ainda à melhoria da capacidade pulmonar, promoção do exercício físico monitorizado e adequado à capacidade física de cada utente com base numa criteriosa avaliação. O objetivo final é ajudar as pessoas a manterem-se fisicamente e socialmente ativas, combatendo outras comorbilidades não pouco frequentes como a depressão e ansiedade, que conduzem muitas vezes ao isolamento social.

Quais são os principais benefícios da fisioterapia respiratória?

A fisioterapia respiratória contribui, através das estratégias de intervenção levadas a cabo pelo fisioterapeuta, para: melhoria da ventilação e oxigenação; facilita a eliminação de secreções; controlo de sintomas, para o alívio da falta de ar e fadiga. A fisioterapia respiratória, integrada em programas de reabilitação respiratória, com equipas multidisciplinares onde estão presentes vários profissionais de máxima relevância e contributo como médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, entre outros, contribui na diminuição de exacerbações e hospitalizações dos doentes respiratórios. Potencia ainda positivamente o tempo de recuperação após doença aguda ou internamento (resultando num menor tempo de hospitalização e redução de probabilidade de complicações respiratórias pós-operatórias).

É diferente da que é realizada em adultos, crianças e até idosos?

O racional para os objetivos da fisioterapia respiratória é o mesmo, ou seja, o processo de avaliação, identificação dos problemas que contribuem negativamente para a condição dos doentes e o tratamento individualizado, respeitando os seus direitos e dignidade pessoal. Evidentemente, existem diferenças no tipo de estratégias de intervenção utilizados, por exemplo, para a remoção de secreções em função da idade, pois um bebé ou até mesmo uma criança um pouco mais velha não têm mesmo nível de colaboração de um adulto. Por outro lado, por vezes, em pessoas mais idosas com demência ou que tenham já outro tipo de comorbilidades e contraindicações, as estratégias e exercícios também deverão ser ajustados, de forma que o tratamento seja eficaz.

Foi algo que aumentou bastante devido à pandemia da Covid-19?

Sem dúvida. A pandemia da Covid-19 veio mostrar a importância da fisioterapia respiratória. Muitos doentes, sobretudo os que estiveram internados em cuidados intensivos, precisaram deste acompanhamento para recuperar a função pulmonar e aumentarem a tolerância ao esforço. Mesmo após a fase aguda, muitas pessoas ficaram com falta de ar e fadiga, e a fisioterapia ajudou a acelerar a recuperação e a melhorar a qualidade de vida. Isso fez com que esta área de intervenção ganhasse muito mais destaque e reconhecimento. Além disso, a Covid-19 fez aumentar o número de doentes a necessitar de programas de reabilitação respiratória, tanto durante o internamento como no pós-alta.

As melhorias são evidentes?

Sim, existe validação científica, com sociedades científicas importantes como a European Respiratory Society e a American Thoracic Society, que recomendam fortemente a reabilitação respiratória em doentes pós-Covid para melhorar a dispneia, fadiga e tolerância ao esforço. Em doentes mais graves em fase aguda, a fisioterapia respiratória ajudou a diminuir as complicações pulmonares em doentes ventilados, facilitando o desmame da ventilação mecânica e reduzindo os tempos de internamento.

No caso da Covid, a recuperação acaba por ser mais lenta sem este tipo de fisioterapia?

A recuperação será certamente mais lenta uma vez que os doentes poderão confrontar-se com perda de força muscular, fadiga persistente, dificuldade respiratória, ou risco aumentado de complicações pulmonares e cardiovasculares. Dou como exemplo doentes que tenham estado internados e sem acompanhamento da fisioterapia, os quais têm maior risco de colapso parcial do pulmão ou comprometimento permanente da função pulmonar.

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