Faz de conta que é um país

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Era uma vez um computador que foi roubado. Ou melhor, furtado. Ou, então, a fazer fé nas palavras de quem o anunciou, foi roubado e furtado. Roubado e furtado não são a mesma coisa. Portanto, ou foi roubado, ou foi furtado. Convém esclarecer, porque há diferenças, até criminais, caso se trate de um furto ou de um roubo. O furto é uma “subtração” sem violência ou ameaça. Já um roubo é a mesma coisa, a tal “subtração”, mas com recurso a violência ou ameaça. Qualquer estudante de direito do primeiro ano sabe isto. Mas, repito, no estranho caso do computador que foi roubado e furtado, ao mesmo tempo, a semântica do governo não bate certo.

Adiante.

Por causa do roubo – ou furto? – do célebre computador que, alegadamente, continha documentação classificada sobre o futuro da companhia aérea portuguesa, o governo entendeu por bem chamar os serviços de informação, também conhecidos como serviços secretos ou, na sigla mais comum, o SIS. Estava “desaparecido”, para não continuar nesta dúvida entre roubo e furto, um aparelho que continha informação relevante e secreta, que deveria estar protegida e não à solta e nas mãos de um agora ex-colaborador de um ministro.

O SIS foi competente, diga-se. Em minutos, recuperou o aparelho e devolveu ao Estado esse bem valioso carregado de informação vital. Chamado ao Parlamento, o diretor do SIS disse, à porta fechada, que não tinha havido qualquer crime e, só por isso, os serviços, que dirige puderam atuar; caso tivesse havido crime, o SIS, que não é uma polícia, mas um serviço de recolha de informação, não teria competência, autoridade e mandato para resgatar o aparelho.

Não sei se me estão a perceber ou a seguir.

O computador roubado e furtado, afinal não foi nem roubado nem furtado. Porque não existiu, afinal, qualquer crime (nem de roubo, nem de furto) porque, caso tivesse havido, não poderia ter sido o SIS a tratar do caso.

Neste estranho caso, onde tudo foi dito à porta aberta, a audição dos responsáveis do SIS e do SIRP foi secreta. Ficou apenas entre os deputados da CPI. Já se sabe que agentes secretos, espiões e quem tem o dever de os fiscalizar não podem falar à porta aberta. Tem de ser em segredo, embora, depois, se saiba cá fora o que disseram lá dentro. Mais uma razão para que a audição não tivesse sido à porta fechada. Temos, todos, o direito de saber pela voz do SIS que não houve nem furto nem roubo, simplesmente não houve crime.

Não faltará muito para termos uma explicação. O funcionário que se tornou ex-funcionário vai amanhã à comissão. E vamos ficar a conhecer a parte da história contada por quem a viveu. Cheira-me que ele vai dizer que nunca “roubou” nem “furtou” o computador, apenas o “reteve” enquanto esperava para o poder entregar. E se a semântica – este governo tem problemas vários e diversos com a semântica – for esta, então ministro e primeiro-ministro estão, outra vez, em maus lençóis. Não bastava o Diretor do SIS ter dito que não houve crime. Será o próprio acusado de roubo e furto a dizer – como aliás já disse – que esteve sempre disponível para devolver o computador.

Já perdemos todos demasiado tempo com a estranha história do computador do ministério com informação vital para o Estado e que acabou recuperado pelos serviços secretos. Por outro lado, feliz país este onde os serviços secretos servem para recuperar computadores desde que não tenham sido nem roubados nem furtados.

 

Pedro Cruz

Jornalista

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