
A letra de António Variações assenta na perfeição neste Dia Mundial da Preguiça, que se assinala esta sexta-feira. “É p’ra amanhã, bem podias fazer hoje.” O ato constante de adiar tarefas pode tornar-se um problema. Contudo, existem algumas estratégias que podem ajudar a pôr fim ao vício da procrastinação.
“Ao adiar a tarefa sentimos um alívio instantâneo e isso é bom. O problema é que isto cria um círculo vicioso, o ciclo da procrastinação, em que o alívio é rapidamente substituído por outras emoções como a culpa e a vergonha”, explica em entrevista ao Lifestyle ao Minuto a psicóloga clínica Alícia Marques.
Alícia Marques e as também psicólogas Andreia Ferreira e Marisa Marques lançaram o livro “STOP Procrastinação!”. Na entrevista, revelam melhor em que consiste a procrastinação, como a preguiça pode ser uma das causas e que estratégias podem existir para acabar com todas as desculpas.
“Conhecer as desculpas da procrastinação permite identificarmos o momento em que nos estamos a autorizar a adiar algo que, como sabemos, terá um resultado pior a longo prazo”, conta Andreia Ferreira.
Por que motivo gostamos de não fazer nada e adiar tarefas?
Alícia Marques (AM): Adiar as tarefas, ou seja, procrastinar, é, na verdade, uma estratégia que usamos para regular o desconforto que estamos a sentir diante dessas mesmas tarefas ou atividades. Perante emoções como ansiedade ou tédio, o nosso cérebro procura uma forma de escapar a esse desconforto. Ao adiar a tarefa sentimos um alívio instantâneo e isso é bom. O problema é que isto cria um círculo vicioso, o ciclo da procrastinação, em que o alívio é rapidamente substituído por outras emoções como a culpa e a vergonha. Estas tornam a tarefa original ainda mais intimidante, reforçando a vontade de a adiar. O resultado é um padrão que nos prende e, ironicamente, gera um sofrimento muito maior do que o desconforto que tentávamos evitar inicialmente.
Quando é que a procrastinação e a preguiça podem ser vistas como um problema?
AM: A procrastinação é muitas vezes confundida com preguiça, mas estes conceitos são distintos. A procrastinação é uma experiência humana. Todos nós, em algum momento, adiamos tarefas ou decisões. A preguiça pode ser uma das razões que leva à procrastinação, mas, maioritariamente, as pessoas procrastinam porque se sentem vulneráveis à desmotivação, ao fracasso, à crítica ou ao seu próprio perfecionismo. A procrastinação torna-se um problema quando começa a gerar sofrimento significativo ou a interferir de forma consistente na vida diária, impedindo o alcance de objetivos importantes e aumentando os níveis de stress e ansiedade e o sentimento doloroso de não estarmos a viver uma vida alinhada com os nossos valores.
Podemos falar de uma procrastinação ativa e passiva? Como distinguir?
Andreia Ferreira (AF): Sim, não procrastinamos sempre da mesma forma nem pelas mesmas razões. A procrastinação ativa pode ser considerada funcional, pois implica o atraso intencional de uma tarefa, enquanto outras são priorizadas de forma a aumentar a eficiência geral no trabalho. Isto pode acontecer por preferência por trabalho sob pressão de tempo ou por confiança no cumprimento de prazos, sendo que este tipo de procrastinação não gera consequências adversas no desempenho ou a nível emocional. Por sua vez, a procrastinação passiva refere-se ao tipo ‘tradicional’ e disfuncional de procrastinação que surge, principalmente, devido à experiência de emoções negativas em relação à tarefa em si ou à capacidade para a realizar. Isso leva a um adiamento da tarefa, mesmo com consciência que o atraso implicará piores resultados.
Quais são as principais desculpas que usamos para procrastinar?
AF: A nossa mente tende a ser muito criativa no que diz respeito à criação de argumentos que nos permitam adiar o desconforto, ou seja, procrastinar. São várias as desculpas que utilizamos: “Estou muito cansado, faço amanhã”; “Não tenho tempo para fazer tudo, por isso, mais vale esperar até ter”; “Mais vale fazer isto quando estiver com vontade ou quando estiver inspirado”; “Tenho de organizar primeiro a minha secretária/cozinha/despensa”, etc. Conhecer as desculpas da procrastinação permite identificarmos o momento em que nos estamos a autorizar a adiar algo que, como sabemos, terá um resultado pior a longo prazo. E este é um passo importante na interrupção do ciclo. Podemos realizar uma tarefa mesmo que surjam pensamentos que nos digam o contrário.
De que forma a procrastinação pode ser adiada? Que técnicas podem ser tidas em conta para a resolver?
Marisa Marques (MM): São várias as estratégias que podemos utilizar para gerir a procrastinação. Por exemplo, começar por perceber a razão que está a gerar a procrastinação, ou seja, o que está a contribuir para o adiamento da tarefa, identificando as emoções e pensamentos negativos que possam estar a surgir sobre nós ou a mesma; saber que é possível realizar tarefas mesmo com pouca motivação, por exemplo, levar o lixo. Por isso, é importante não ficar à espera que a motivação surja porque ela pode nunca aparecer para determinada tarefa. Fazer, mesmo sem motivação; relembrar as razões pelas quais é importante fazer a tarefa ; começar a tarefa, nem que seja por cinco minutos.
Como é que os nossos pensamentos e emoções podem afetar a procrastinação?
MM: Perante a realização de determinadas tarefas, por várias razões, podem surgir pensamentos negativos acerca de nós, como “não sou capaz”, “não vou conseguir”, “vou falhar”, ou da tarefa, como “é uma tarefa muito difícil”, “é uma tarefa pouco interessante”, e emoções difíceis, como desconforto, medo, ansiedade, tédio que, por sua vez, podem impulsionar o adiamento ou evitamento da mesma. O ser humano está programado evolucionariamente para evitar o perigo. Aos dias de hoje, este pode ser o desconforto, o medo de falhar, etc. Se surgirem pensamentos e emoções que nos ativem estas sensações, vamos sentir o impulso para as evitar, perpetuando o ciclo da procrastinação.
Podemos estar a procrastinar sem perceber que o estamos a fazer?
MM Apesar de, por vezes, a procrastinação parecer um processo automático, e ser comum só nos apercebermos que estamos a procrastinar quando já passou algum tempo desde que nos afastámos da tarefa, a procrastinação consiste num adiamento voluntário de uma ação e envolve sempre uma tomada de decisão da nossa parte. Darmos conta do momento em que escolhemos procrastinar é um passo muito importante e pode ser treinado. Por exemplo, se eu estiver a estudar e receber uma mensagem e der por mim a já estar a fazer scroll numa rede social, esse é o momento da tomada de consciência. Pode ser nessa a altura em que escolhemos parar de procrastinar e retomar o trabalho.
Fonte : Notícias ao Minuto

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