Tal como em grande parte das doenças, o diagnóstico precoce acaba por ser uma das melhores formas de prevenção. É uma realidade também no caso dos cancros ginecológicos. O problema, muitas vezes, está nos sintomas, que são ignorados por parte das mulheres.
“Infelizmente, as mulheres têm alguma tendência para normalizar queixas, como é o caso das dores pélvicas ou mesmo de hemorragias vaginais fora do normal”, revela ao Lifestyle ao Minuto a médica Paula Ambrósio.
É assistente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia, na ULS São José, e coordenadora de Ginecologia e Obstetrícia da Clínica CUF Belém. Neste Dia Mundial do Cancro Ginecológico, que se assinala este sábado, falou sobre os principais sintomas, a falha no diagnóstico e os tratamentos.
O que são os cancros ginecológicos?
Os cancros ginecológicos são os que afetam os órgãos ginecológicos, ou seja, o útero, os ovários e trompas, a vagina e a vulva.
Qual a importância do diagnóstico precoce?
O diagnóstico precoce permite identificar e tratar o cancro em fases iniciais ou mesmo pré-malignas, o que se associa a uma maior eficácia dos tratamentos e a um melhor prognóstico.
Há muitas mulheres que acabam por ignorar os sinais e os diagnósticos acabam por ser muito tardios?
Sim, infelizmente as mulheres têm alguma tendência para normalizar queixas, como é o caso das dores pélvicas ou mesmo de hemorragias vaginais fora do normal e só procuram cuidados médicos em fases muito avançadas.
Todos os cancros ginecológicos são fatais?
Praticamente todos os cancros podem ser tratados de forma eficaz e mesmo curados caso sejam diagnosticados e tratados em fases precoces. Quando o diagnóstico é feito em fases avançadas o risco de morte é maior, mas cada caso é um caso e não se pode generalizar.
Há tratamentos que podem ser feitos?
Sim, existem tratamentos para cada um dos cancros ginecológicos, dependendo do tipo e da fase em que é realizado o diagnóstico. A cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia são os mais frequentemente realizados
Qual é a importância de uma data como Dia Mundial do Cancro Ginecológico?
Os dias dedicados a certos temas, como doenças importantes ou problemas ambientais, permitem que as pessoas parem um pouco para pensar e refletir sobre aspetos que habitualmente não fazem parte das suas rotinas. Relembrar o cancro ginecológico é chamar a atenção para a necessidade de fazer os rastreios instituídos, de consultar regularmente o médico e, acima de tudo, saber que não se deve desvalorizar as queixas, especialmente se persistentes ou muito fora do normal.
Os cancros ginecológicos podem ser evitados?
O cancro do colo do útero, causado na grande maioria dos casos pelo HPV (vírus do papiloma humano), é o único que pode teoricamente ser evitado já que existe uma vacina eficaz contra os tipos mais frequentes e mais agressivos de HPV. Ainda assim é necessário manter o rastreio regular. Os restantes cancros mais frequentes (útero e ovários) só poderão ser evitados caso sejam feitas cirurgias profiláticas, aplicável nos casos em que existem alterações genéticas associadas a um risco elevado de cancro,mas o diagnóstico precoce permite que seja tratado e evitadas as consequências mais graves associadas a estes cancros.
Quais são os primeiros sinais de alerta a ter em conta e que não devem ser ignorados? Alguns são idênticos entre os diferentes tipos de cancro?
A hemorragia vaginal é o primeiro sintoma do cancro do endométrio, mesmo em fases iniciais. Especialmente em mulheres na pós-menopausa, que já não menstruam, ou em mulheres que ainda menstruam, mas que apresentam grandes irregularidades menstruais ou fluxo muito abundante é essencial procurar cuidados médicos. O cancro do colo do útero só causa sintomas em fases avançadas e, nesse caso, a hemorragia vaginal associada às relações sexuais ou o corrimento vaginal com odor muito intenso podem ser sinais de alerta que devem levar a mulher a ir ao médico. O cancro do ovário apresenta sintomas pouco específicos, mas, em muitos casos, existem queixas de dor ou sensação de peso pélvico, bem como alterações do transito intestinal ou sintomas urinários. Em caso de persistência destes sintomas é importante realizar uma investigação dirigida.
Existem alguns fatores de risco associados?
O tabaco e a imunossupressão são alguns dos principais fatores de risco para cancro do colo (juntamente com a ausência de vacinação contra o HPV), enquanto que no caso do cancro do endométrio a obesidade tem um papel muito importante. O cancro do ovário, sendo mais raro, apresenta como principais fatores de risco a existência de alterações genéticas hereditárias específicas e história familiar de cancro do ovário.
Prevenir o HPV acaba por ser algo relevante no caso deste tipo de cancro?
A vacina contra o HPV protege contra os principais tipos de HPV que causam o cancro do colo do útero, da vulva e da vagina pelo que é um dos principais pilares da luta contra estes cancros.
Que novos avanços têm sido feitos na medicina que abrem caminho para a uma nova esperança?
Nos últimos anos têm se desenvolvido vacinas terapêuticas contra o cancro do colo (neste momento apenas temos vacinas profiláticas que impedem a infeção viral) que prometem ser eficazes na cura de lesões já existentes. No caso do cancro do ovário, os últimos anos trouxeram novos fármacos dirigidos especificamente contra as células tumorais bem como medicamentos que ajudam o próprio sistema imunitário a destruir estas células malignas.
O conhecimento da biologia e comportamento molecular do cancro do endométrio permite-nos neste momento tratar as doentes de forma mais dirigida, evitando em certos casos terapêuticas que não seriam eficazes e que durante muitos anos constituíram a prática clínica standard.
Qual a importância de consultas de rotina? Com que frequência devem ser feitas? É algo que muda com a idade?
As consultas de rotina são habitualmente realizadas anualmente, sendo muito importantes para aferir o risco de doença, que não é estático. O rastreio do cancro do colo do útero deixa de ser necessário a partir dos 70 anos de idade (em mulheres que não tenham tido problemas nesta área), mas é importante que as mulheres continuem a fazer uma observação ginecológica bem como os exames que forem considerados pertinentes de forma regular.
Estes tipos de cancros só afetam mulheres mais velhas?
Os cancros ginecológicos, embora mais frequentes em idades mais avançadas (exceto o cancro do colo que tem o seu pico de incidência por volta dos 40-50 anos de idade), podem afetar mulheres mais jovens pelo que a vigilância ginecológica regular é essencial para a identificação precoce e atempada dos primeiros sinais de cancro
Se não existe histórico familiar, não há necessidade de preocupação?
O histórico familiar é apenas mais um dos fatores de risco para cancro em geral. A maioria dos cancros ginecológicos não apresenta um componente hereditário marcado (com exceção do ovário) pelo que uma história familiar sem casos oncológicos não deverá alterar a conduta de seguimento das mulheres.
Tomar a pílula aumenta o risco de cancro ginecológico?
A pílula contracetiva tem um efeito protetor no cancro do ovário (com uma redução de até 50% da incidência) e do endométrio. No caso do cancro do colo do útero existe alguma associação com os estrogénios embora seja apenas mais um dos vários fatores de risco conhecidos (e que desaparece com a suspensão da toma).
Tem de iniciar a sessão para publicar um comentário.