O deputado bolsonarista Nikolas Ferreira, cujo ponto alto da vida parlamentar foi discursar de peruca loira no Dia da Mulher para ter “lugar de fala”, e Gilson Machado, ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro e ex-vocalista da banda de forró Brucelose, que ficou famoso pela interpretação ao acordeão da Ave Maria de Gounod em homenagem às vítimas de covid numa live do ex-presidente, uniram-se numa campanha de solidariedade.
Foram às redes sociais pedir depósitos na conta de Bolsonaro.
O objetivo é permitir ao ex-presidente, às vésperas de ficar inelegível no julgamento de uma de 16 faltas eleitorais graves que cometeu em campanha e pré-campanha, pagar multas judiciais diversas.
Registe-se que, fora as (múltiplas) benesses, os vencimentos mensais de Bolsonaro, como presidente de honra do Partido Liberal e reformado do Exército e do Parlamento, andam em torno de 18 mil euros (o ordenado médio no Brasil é inferior a 500).
A ideia de pedir dinheiro ao gado digital, entretanto, não é original. Dias antes, Deltan Dallagnol, que como procurador da Lava Jato disse não ter nenhuma prova, mas “muita convicção”, de que Lula da Silva era culpado no caso do tríplex, também pediu doações.
Evangélico feroz, foi menos direto do que Bolsonaro, porque o gado lavajatista é supostamente mais sofisticado do que o gado bolsonarista, e optou por contar a história de que foi Deus que lhe deu a ideia enquanto viajava, deprimido, de avião.
Ele estava deprimido porque o mandato dele como deputado – assim como outros, o procurador trocou a Lava Jato pela política, para surpresa de ninguém – foi suspenso pelo Tribunal Eleitoral: Dallagnol abandonou a magistratura quando ainda respondia a 15 inquéritos por excesso de gastos em diárias e voos para driblar a Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de quem deixa o poder judicial com inquéritos à perna.
A morte política de Dallagnol não encerra as humilhações dos protagonistas da Lava-Jato. O rosto da operação, Sergio Moro, começou por aceitar ser “superministro” do mais ridículo governo da história do Brasil, depois foi tachado de juiz parcial pelo Supremo, a seguir quis candidatar-se a presidente, mas foi rejeitado pelo partido para o qual se mudou com essa intenção, na sequência tentou ser senador por São Paulo forjando uma morada falsa e, depois de apanhado, lá acabou, finalmente, eleito pelo Paraná, não sem antes trair e derrotar o padrinho político.
Agora, Moro, assim como Dallagnol, arrisca a suspensão de mandato no Congresso e, assim como Bolsonaro, a inelegibilidade por oito anos: é acusado de abuso de poder económico, arrecadação e gastos eleitorais ilícitos e mau uso dos meios de comunicação por dois partidos, o PT, de Lula, e o PL, de Bolsonaro.
Em 2017, o mesmo Moro, então no auge da popularidade e arrogância, e José Roberto Batochio, que precedeu Cristiano Zanin como advogado de Lula, tiveram uma discussão no meio de uma audiência da Lava Jato. “Doutor, a sua questão está indeferida”, disse Moro. Batochio contestou. Moro rematou mandando o advogado fazer concurso para juiz se quisesse mandar em audiências.
No último dia 21, no Senado, Moro teve de participar na sabatina (espécie de prova oral) a Zanin, o advogado que Batochio apadrinhou e Lula indicou para juiz da Suprema Corte, o sonho da vida do quase ex-senador que Bolsonaro lhe prometera realizar, mas jamais realizou. Foi a humilhação definitiva.
Jornalista,
correspondente em São Paulo
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