A vida de um crustáceo e outras histórias em competição em Annecy

A vida de um crustáceo da gastronomia portuguesa chegou aos ecrãs do festival de cinema de animação de Annecy, em França, num filme de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves que serve também para falar de sustentabilidade e turismo massificado.
Festival Annecy

“Percebes” é uma curta-metragem documental de animação focada no ciclo de vida e na apanha deste marisco na costa algarvia, com depoimentos de pescadores e vendedores, que falam também sobre a relação com o mar, sobre a descaracterização da paisagem urbana e sobre o turismo.

Alexandra Ramires é do Algarve e Laura Gonçalves da região Centro e ambas fazem cinema de animação em nome próprio e em parceria, no Porto, no estúdio BAP Animation.

“Há uma relação com aquele lugar, mas este tema não é só do Algarve e é uma coisa que acabamos por viver muito: O crescimento que molda completamente a cidade. E fomos vendo isto a acontecer em Lisboa e no Porto de uma forma muito evidente. […] Embora haja alguma distorção da identidade em que não vês tantas casas algarvias, em que vemos mais hotéis do que chaminés algarvias, há ainda coisas com as quais as pessoas se identificam e reveem”, afirmou Alexandra Ramires, em entrevista conjunta com Laura Gonçalves, à agência Lusa.

Antes de “Percebes”, as duas realizadoras tinham o filme “Água Mole” (2015), que passou por mais de 200 festivais, estando ambos, de certa forma, relacionados.

“‘Água Mole’ é sobre desertificação e este é sobre a vontade de ficar e a necessidade de resistir”, disse Alexandra Ramires.

“Percebes”, com argumento das duas autoras juntamente com Regina Guimarães, tem animação em aguarela e digital, está na competição oficial de Annecy e já esteve, este mês, em exibição no festival Animafest Zagreb, na Croácia.

As duas cineastas têm estado esta semana em sessões de apresentação e conversas sobre este filme em Annecy, no ano em que Portugal é o país convidado, com uma programação alargada dedicada à animação portuguesa com mais de 60 filmes, ciclos temáticos e uma delegação de cerca de 200 pessoas.

Ser país convidado “trouxe gente do país que geralmente não pode viajar. Virem as equipas é muito bonito. E depois há o apoio institucional do ICA [Instituto do Cinema e Audiovisual]. É muito comum estarem em mercados e nunca tivemos representação em Annecy. Isto foi uma das grandes vitórias”, sublinhou Laura Gonçalves.

“O cinema português tem um foco muito grande nas autorias e não nas empresas. A questão das autorias é vital para isto ter a pujança que tem”, sublinhou Alexandra Ramires, a propósito, em particular, da produção de cinema de animação.

Enquanto “Percebes” faz o seu percurso internacional, as duas autoras estão a dar os primeiros passos, cada uma, para projetos de série televisiva.

“Estamos a tentar perceber este universo, porque é muito diferente das curtas. Se temos uma liberdade nas curtas bastante grande, nas séries temos de perceber como alcançar essa liberdade”, explicou Alexandra Ramires.

O projeto de Laura Gonçalves está mais adiantado, chama-se “Marias sem Nome”, com a escritora Lúcia Vicente e a ilustradora Cátia Vidinhas, sobre mulheres anónimas que romperam com estereótipos de género, e o episódio piloto é sobre uma pessoa que esteve na clandestinidade durante trinta anos na ditadura.

“Há aqui histórias lindas de pessoas que têm tanto para dizer e ninguém as ouve”, disse Laura Gonçalves.

O projeto de Alexandra Ramires tem ainda o título provisório “O menino nino”, conta com a participação da escritora Regina Guimarães e aborda, de forma poética, partes do corpo humano.

As duas autoras consideram que ainda há “um caminho a fazer” em termos de paridade de género no cinema de animação, mas “é inegável”, disse Alexandra Ramires, que “há muitas mulheres a trabalharem em animação”.

“Conseguimos enumerar bastantes mulheres realizadoras, sinto que estamos um passo à frente comparativamente a outras áreas do cinema português”, disseram.

Aliás, outra das realizadoras da animação portuguesa, Maria Trigo Teixeira, também tem um filme em competição em Annecy, intitulado “Amanhã não dão chuva”.

Em declarações à Lusa em Annecy, Maria Trigo Teixeira explicou que “Amanhã não dão chuva” é sobre a desconexão entre duas pessoas, entre uma mulher que regressa à casa da infância por causa da mãe, já idosa e cada vez mais desligada do mundo.

Maria Trigo Teixeira está já a desenvolver o próximo filme, que conta com apoio da FilmaPorto e da Alemanha, com a produção a iniciar-se no outono.

O Festival de Cinema de Animação de Annecy, que se estende até sábado, conta ainda, nas secções competitivas, com “Mont noir”, de Erica Haglund e Jean-Baptiste Peltier, com coprodução minoritária portuguesa pela Animais, a série de televisão “O Diário de Alice”, de Diogo Viegas, da Sardinha em Lata, o microfilme promocional “Chantelouve”, Regina Pessoa, e os filmes de escola “Is this how the time should let you go?”, Yi-Chin Tsai, e “Être une graine”, de Julia Granillo Tostado, pela Universidade Lusófona.

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