Nunca estivemos tão bem acompanhados. A inteligência artificial tornou-se um espelho mais atento do que o próprio corpo e, muitas vezes, do que a própria mente. Mas a que custo?
Estamos a transferir pequenas decisões para sistemas automáticos — o que vestir, que caminho seguir. À primeira vista, isso pode parecer inofensivo. No entanto, a soma desses gestos triviais começa a formar um padrão preocupante: a erosão silenciosa da autonomia. Não perdemos o controlo de um dia para o outro. Vamos cedendo, aos poucos, convencidos de que pensar é esforço a mais e que “eles” (os algoritmos, as apps, os assistentes virtuais) o fazem melhor.
Hoje, gera-se uma imagem, um texto, até um elogio, em segundos. A fronteira entre o que criamos e o que mandamos criar está a esbater-se. Para alguns, é libertador. Para outros, é inquietante. Afinal, se a máquina nos substitui nas tarefas que exigem pensamento, reflexão ou intenção, qual é o papel que nos resta? Onde traçamos a linha entre o que é útil e o que é invasivo?
Os dispositivos que usamos no pulso ou no bolso já detetam sinais de ansiedade, doenças ou padrões de sono, às vezes, antes de nós próprios. No entanto, as perguntas que se fazem são: o que mais sabem? Para onde vão esses dados? Quem os interpreta? Quem os utiliza?
A verdadeira questão não é até onde a máquina pode ir. É até onde estamos dispostos a deixá-la ir por nós. A tecnologia deve servir-nos, não substituir-nos. A inteligência artificial não precisa de dominar o mundo para ser perigosa — basta que nos convença, aos poucos, de que já não precisamos de pensar por nós mesmos.
Talvez o maior risco da inteligência artificial não seja a sua evolução, seja a nossa acomodação e tudo o que deixamos de fazer por confiar que ela fará melhor.
Lícia Alves – Comunidade Lusa
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