• Junho 29, 2025
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A arte de galambar

João Galamba foi vaiado e desafiado a deixar o governo. Marcelo não resistiu e deu o dito por não dito. Fez mal. A arte de galambar é uma arte menor. O povo aos gritos, mandando o ministro trabalhar, pedindo-lhe que tenha vergonha, é, aliás, imagem mais poderosa que qualquer metáfora que o Presidente pudesse inventar. Se Galamba ainda estiver no governo para o ano, Marcelo pode fazer o 10 de Junho em Alcobaça e só tem de adaptar a metáfora, pedindo que se retire a maçã podre do cesto.

Em matéria de vaias e aplausos, o peso da reguada em João Galamba não se mede pela fragilidade política que possa acrescentar ao ministro que, em desespero, sabendo que ninguém quer acreditar no que ele diz, repete: “Não, não menti. Não menti”. Galamba continua a ser instrumental. Ficou porque Costa tinha de virar o jogo contra Marcelo, mantém-se porque funciona como um para-raios do chefe do governo. Descontando os professores, em luta longa e agreste com o governo, o primeiro-ministro foi bem recebido na Régua, com direito a aplausos e selfies para contrapor às vaias dirigidas ao seu ministro.

Nesta arte de galambar, tendo António Costa como principal protagonista, já se sabe como acaba o folhetim: o ministro cairá quando já não for útil ao primeiro-ministro mantê-lo no governo. Basta lembrar a inacreditável coleção de trapalhadas que não fez cair Eduardo Cabrita, mas a proximidade de umas eleições fizeram-no sair para não prejudicar o PS.

Na contracena, Marcelo parece convencido de que só tem de intercalar metáforas sobre a dissolução com metáforas sobre a demissão, aumentando as hipóteses de vir a dizer alguma coisa na véspera da saída de Galamba, parecendo que existe uma causa e efeito entre o poder da [sua] palavra e a ação de António Costa. Não há ninguém a dar a cara em defesa de Galamba e isso contribui para dar a sensação a Marcelo de que é uma questão de tempo para o país confirmar que ele tinha razão. Até por isso, o Presidente fez mal ao permitir que se falasse da espuma dos dias, no momento em que apontou ao futuro e à necessidade de nos mantermos unidos para construir uma sociedade mais justa.

Um país onde se distribui tão mal a riqueza produzida, um país onde a maioria dos velhos são pobres, um país sem coesão territorial, exigia que o Presidente da República não se desviasse do essencial. Um país onde os professores andam zangados e desmotivados e onde o ano letivo na escola pública voltou a ser parcialmente perdido, depois de dois anos de pandemia, exigia que o professor Marcelo desse uma aula de cidadania. Um país onde a Saúde é o maior fator de desigualdade social e o setor privado continua a crescer, enquanto definha o SNS, exigia que o chefe de Estado pusesse o dedo na ferida.

Marcelo rendeu-se às metáforas desta vida, mesmo que ao fim do dia tenha tentado tapar o sol com uma peneira afirmando que não estava a falar de nenhum caso específico, e enquanto ele e Costa galambam, os portugueses sentem que a sua vida não tem qualidade. O problema, grave problema, é que não lhes apetece mudar de vida. A experiência diz-lhes que a criação de um novo ciclo significa, a maior parte das vezes, que tudo termina no ponto onde começa. Quer-me parecer que nós, os portugueses, temos o que merecemos. Somos tão bons na arte de galambar como os políticos de quem gostamos de nos queixar.

 

Paulo Baldaia

Jornalista

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