• Abril 20, 2025
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Não devemos estar a ler mesma legislação…

Após a leitura do Comunicado do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), de 21 de junho de 2023, reforcei a opinião que tinha a respeito da ilegalidade da intervenção do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) / Serviço de Informações de Segurança (SIS) no caso do adjunto “exonerado”, colocando agora as maiores reservas sobre a idoneidade que o atual CFSIRP tem para levar por diante o seu trabalho, pois que, segundo o art. 9º, nº 1, da Lei Quadro (LQ) do SIRP, “O Conselho de Fiscalização acompanha e fiscaliza a atividade do Secretário-Geral e dos serviços de informações, velando pelo cumprimento da Constituição e da lei, com particular incidência em matéria de preservação de direitos, liberdades e garantias”.

Ora, a violação que o CFSIRP fez da sua missão principal está logo no facto de nem sequer ter tido o cuidado de ouvir a versão dos acontecimentos relatada pelo cidadão que, potencialmente, podia ter sido vítima de um abuso de poder. O CFSIRP erroneamente confunde a sua função de fiscalização com uma função policial ou judicial que não tem: o seu papel é observar e detetar ilegalidades, não é produzir provas judiciais, pelo que não faz sentido dizer que não tinha de ouvir o Dr. Frederico Pinheiro porque não estava em causa uma diligência judicial de acareação. Sabe hoje a opinião pública que a versão deste cidadão é a que foi vítima de um abuso de poder parte do SIS, por coação, segundo a sua versão dos acontecimentos. Nem mesmo assim o CFSIRP emendou a mão chamando o Dr. Frederico Pinheiro após aquilo que foi publicamente divulgado por ele na AR, dando assim por garantido que o seu testemunho “nada vale” por comparação com os testemunhos que obteve junto dos dirigentes dos serviços, implicitamente os únicos que considera “bons” e que, pelos vistos, “valem tudo” e “esgotam toda a verdade”…

Por outro lado, o CFSIRP, curiosamente coonestando a justificação dada na televisão pelo antigo SG do SIRP, o Senhor Conselheiro Júlio Pereira, ainda que citando vários artigos da LQ-SIRP e da Lei Orgânica do SIRP, não menciona qual o preceito legal que habilitaria os serviços de informações a intervir, não deixando de ser hábil a surpreendente omissão de que o SIRP/SIS não teriam praticado “medidas de polícia”, coisa que constava do seu primeiro comunicado e que, agora, foi suprimida. Não refere qualquer artigo porque, na verdade, ele não existe e o CFSIRP equivoca-se no tocante à intervenção preventiva do SIRP/SIS em matéria de segurança nacional: não há alusão na legislação a atribuições específicas em matéria de proteção de informação classificada, e mesmo que houvesse, o cenário do seu comprometimento seria sempre do foro de uma intervenção policial, tal como sucede com a intervenção policial devida em matéria de terrorismo ou de sabotagem. O proémio do citado art. 33º da LO-SIRP não deixa margem para dúvidas, ao esclarecer que o SIS “produz informações”, não é um “serviço de apoio à repressão ou investigação da prática de crimes” que haviam sido alegadamente cometidos: “Cabe ao SIS, no âmbito das suas atribuições específicas, promover, por forma sistemática, a pesquisa, a análise e o processamento de notícias e a difusão e arquivo das informações produzidas.” Repita-se: o processo de “produção de informações” realizado segundo as suas cinco fases não integra a atividade de “recuperação de computadores” porque a “recuperação de computadores não é produção de informações”…

Mais preocupante é a conceção de “intervenção preventiva” que o CFSIRP subliminarmente revela quando admite que o SIRP/SIS têm atribuições assentes numa cláusula geral que permite agir em qualquer assunto que afete a segurança do Estado, esquecendo que essa atribuição geral só se pode tornar viável com competências e poderes específicos de atuação, que não existem quando afetam, nem que seja minimamente, os direitos fundamentais dos cidadãos, que no caso foram tolhidos. A intervenção do SIRP/SIS é preventiva, sim, como é a das polícias, mas é uma “prevenção a montante da intervenção policial”, e apenas se expressa na “produção de informações”, segundo intervenções concretas que sejam legalmente admitidas, que jamais implicam a limitação das liberdades, podendo por isso fazer vigilâncias nos espaços públicos ou adotar identidades alternativas, o que está previsto, mas nunca essas ações se traduzindo em abordagens de coerção pessoal ou de apropriação de objetos, ou medidas equivalentes.

Jorge Bacelar Gouveia

Professor Catedrático, Constitucionalista e ex-presidente do CFSIRP

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