Correndo o risco de me tornar “preditiva”, vou recorrer a um dos meus hobbies favoritos, cinema de ficção científica, para abordar o tema desta crónica.
Em 2084, a estrela Arnold Schwarzenegger vivia no planeta Terra. Maçado com a sua vida de operário da construção civil, resolveu ir viajar. Destino: Marte. Só que à sua estupenda mulher – Sharon Stone – não lhe apetecia ir. A empresa “Recall”, em anúncios tentadores que entretinham outros passageiros-operários infelizes que se deslocavam de metro, perguntava-lhes porquê maçarem-se e gastar dinheiro a ir viajar se, por uma quantia muito razoável, podiam ter a experiência virtual implantada no cérebro, gravada em memória tão real como se tivesse de facto acontecido? Com a vantagem adicional de poder não só ser escolhido o destino, como a personagem, enquadramento e programar o plot que se queria “viver”. E pronto, o nosso Arnold toma a decisão: nada melhor do que recorrer à implantação de uma memória de uma viagem emocionante a Marte, destino maravilhoso que, porém, nunca tinha visitado. A partir daqui acontecem peripécias hilariantes e desdobramentos, moralizadores e heroicos, claro (ou não fosse o herói o futuro governador da Califórnia).
Veio-me à minha real memória este filme de 1990 (Total Recall) por força do tema inesgotável que já abordei da última vez, mas desta feita para chegar a algumas das aplicações – e implicações – da IA no Turismo e a Hotelaria. E porque no passado dia 5 foi lançado o Apple Vision Pro, que permite ao seu portador interagir entre o mundo real e o mundo digital.
Que impacto terão estas tecnologias nas viagens?
Lembram-se que em 2013 a Google lançou os Google Glass, depois de anos de estudos e projectos, que foi um tal flop comercial que em 2015 foram encerradas as vendas, vindo a empresa dizer que estavam a desenvolver um novo modelo. Em 2019 foi relançado, mas mais uma vez não provou, e recentemente a Google admitiu o seu abandono definitivo. Críticas sobre a sua utilidade, limitações tecnológicas, fraca resolução do écran, consumo de energia, design, violação da privacidade, custo, levaram ao insucesso.
Mas não só a Google como todas as big tech estão a reforçar as apostas no segmento de realidade aumentada (RA), tido como um dos mais promissores para os próximos anos. A tecnologia consiste em interagir com o mundo real a partir de informações no écran, seja por câmaras de smartphones, por óculos ou até por capacetes.
Até aqui tudo parece bastante interessante: continuamos com os pés na realidade, e a tecnologia combina elementos do mundo físico com elementos virtuais em 3D, permitindo a interactividade entre objectos (reais e virtuais) em tempo real.
O ponto e é que, a par da RA, as empresas tecnológicas – e os novos óculos da Apple são exemplo disso – estão a apostar cada vez mais na Realidade Virtual (RV). E aí já e todo um outro campeonato: falamos de experiências imersivas que isolam os utilizadores do mundo real
Colocados uns óculos ou capacete de RV, entramos num ambiente – gerado por meio de um computador – com cenas e objetos que parecem reais, fazendo com que nos vejamos e sintamos imersos nessa realidade. E cada vez se fala mais na Realidade Mista, que combina elementos de um e outro tipo, como já acontece na área da saúde e da indústria. Isto é, combinar a sobreposição da RA no mundo real com a capacidade da RV de inserir elementos gráficos e digitais sobre écran.
Estaremos então a um passo do turismo virtual?
Lembremo-nos de que durante a recentíssima pandemia, conseguimos “viajar” por todo o mundo, visitar lugares, monumentos, colecções de museus, sem sair do nosso sofá. Visitar a Grande Muralha da China; subir ao Machu Picchu; conhecer o Heritage em São Petersburgo; ir a Luxor ou ao Grand Canyon. Proporcionar experiências de viagens a qualquer pessoa independentemente das suas condições físicas, mentais ou económicas, é não só relevante do ponto de vista da equidade, mas ainda por cima acena com a bandeira da sustentabilidade.
Será? Será que as viagens virtuais irão substituir as reais? Ou poderão ser antes um poderoso instrumento de comunicação e despertar ainda mais a vontade de sentir a verdadeira e autêntica experiência? E como poderão hotéis e destinos usar a tecnologia a seu favor?
Fica para os próximos episódios.