• Abril 20, 2025
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Um perigoso enredo chamado Vladimir Putin, o Desesperado

Vladimir Putin teve esta semana um encontro com jornalistas e bloggers russos que são conhecidos pelo seu ultranacionalismo e o apoio à invasão da Ucrânia. Ou seja, trata-se de gente que representa, fomenta e vive da xenofobia que persiste em vários sectores da sociedade russa. São também inspiradores e parentes ideológicos de dois ou três malabaristas que aparecem dia sim, dia não nas nossas televisões, a dizer, sob o disfarce de comentário, que “tout va très bien, Madame la Marquise”, quando se fala da Rússia. Poderiam também citar Alexandre Afanassiev que em 1871 escrevia, num célebre conto popular, “está tudo bem, ou mesmo pior ainda” … As razões desta colagem pateta e mentirosa não se entendem, mas a verdade é que estes nossos contorcionistas são umas pobres caixas de ressonância do que se diz em Moscovo.

Assim foi, Putin disse que tudo vai bem, que os objetivos da campanha contra os “nazis” da Ucrânia serão atingidos. Reconheceu, porém, que as suas forças não têm quantidades suficientes de equipamentos de ponta, de meios de comunicação e de geolocalização, e de drones. Quando um ditador menciona algumas das fraquezas existentes, isso significa que o problema é bem maior do aquilo que nos é contado. Também referiu que a Rússia tem perdido alguns carros de combate, nesta contraofensiva ucraniana agora oficialmente anunciada, mas apenas um terço da destruição sofrida pelo inimigo. Estes números não têm grande credibilidade, vindos da sua boca. De qualquer modo, é muito cedo para fazer um balanço das operações em curso. O que deve ser sublinhado é que Putin não ousa mobilizar mais soldados. Afirma, para quem o quiser acreditar, que 156 mil se teriam alistado voluntariamente desde o início do ano, a juntar aos 300 mil incorporados à força nos últimos meses de 2022. Não mencionou, no entanto, quantos perderam a vida e quantos desertaram.

Vou tentar percorrer esta posição de Putin em meia dúzia de linhas. Primeiro, Putin não quer decretar uma mobilização geral, para não mostrar que isto é uma guerra contra um Estado étnica e culturalmente aparentado. Assim pode continuar a designar a agressão como uma simples “operação especial”, com objetivos limitados — eliminar os supostos “nazis” de Kyiv –, um intento que é mais fácil de fazer aceitar ao cidadão comum russo. Segundo, uma mobilização militar de grande envergadura exigiria uma declaração de um “estado de emergência”, ou coisa parecida. Chegado a esse ponto, teria de incorporar os jovens da classe média e das elites urbanas, cujas famílias são a sua base de apoio político, e, ao mesmo tempo, seria reconhecer que a guerra contra a Ucrânia não estaria a correr num sentido favorável à Rússia. Ora, ele não pode perder a opinião urbana russa. Também não pode dar a entender que as suas forças armadas são como um velho leão, desdentado e vergado pelo peso da corrupção e das medalhas ganhas em desfiles de opereta.

É neste contexto que deve ser entendida a decisão desta quarta-feira, adotada pela Duma, a câmara dos deputados da Federação Russa. A Duma autoriza, a partir de agora, o Ministério da Defesa a perdoar e recrutar criminosos que estejam a cumprir penas de prisão. Ou seja, legalizou aquilo que Yevgeny Prigozhin, o indescritível e cabalístico patrão dos mercenários de Wagner, fizera o ano passado. Putin prefere ter bandidos ao lado das forças regulares a pôr em perigo os filhos da nomenklatura e das classes médias do seu país. Para além de ser uma estranha forma de governar, esta decisão terá certamente um impacto negativo sobre o moral das forças armadas profissionais, que de um momento para o outro verão perigosos delinquentes e outros fora-da-lei integrar oficialmente as suas fileiras. É algo diferente do que se passa com os mercenários de Wagner e outros, que agem separadamente, à margem da estrutura do Ministério da Defesa.

Tudo isto é aberrante, bem contrário às atuais doutrinas da guerra e às práticas nos países mais avançados. E levanta questões muito sérias. Que esperar de um adversário assim, mais ainda quando o próprio Putin começa a falar do recurso a armas nucleares, como o fez esta semana? A menção do nuclear deve ser vista como um sinal de desespero. Será possível entabular um processo de paz com dirigentes deste calibre, caso a ofensiva ucraniana consiga forçá-los a sentar-se à mesa das negociações? E como tratar com Vladimir Putin, que está numa situação jurídica de incriminado pelo Tribunal Penal Internacional, uma instituição multilateral que deve merecer um respeito sem ambiguidades? A cimeira da NATO, dentro de semanas, em Vilnius, não pode ignorar o perigo que paira sobre a Europa e mais além. Conseguirá responder ao nível de risco em que nos encontramos?

 

 

Victor Ângelo
Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU
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