• Junho 29, 2025
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‘E pur si muove’. A terra gira, e os tempos novos exigem regras novas

A 1 de junho, na Cimeira da Comunidade Política Europeia, que teve lugar na Moldávia, o presidente Zelensky deixou, entre outras, duas mensagens que considero fundamentais.

A primeira refere-se à próxima reunião de topo da NATO, marcada para 11 e 12 de julho, em Vílnius. Zelensky disse esperar que os líderes da Aliança Atlântica tomem uma posição clara sobre a adesão da Ucrânia. Tem toda a razão. Embora a política internacional seja feita de ambiguidades e de hesitações, creio termos chegado a um momento que exige clareza. A Ucrânia está a defender-se de uma invasão estrangeira, proveniente de um gigante geopolítico, cujos líderes se inspiram numa leitura imperialista da história do seu país. E os ucranianos têm-no feito com imensa coragem e uma habilidade combativa extraordinária. A ajuda militar e financeira recebida dos seus aliados tem sido determinante. Mas não chega para forçar o Kremlin a acabar com a agressão e fazê-lo sentar à mesa das negociações.

A contraofensiva ucraniana, por muito bem planeada e executada que seja, também não será suficiente para obter a paz. Mesmo com a Ucrânia a conseguir desestabilizar a ocupação da Crimeia. Num tal cenário, a Rússia passará muito provavelmente a uma fase de ataques com armas nucleares. Estaremos então à beira de um conflito muito para aquém das fronteiras da Ucrânia. Espero que não se chegue a esse ponto, pois seria uma catástrofe de enormes proporções. Mas é um cenário possível, que só não aconteceria se uma mudança política ocorresse, entretanto, no Kremlin. Essa mudança de orientação política é uma hipótese teórica, para já, mas não deve ser inteiramente excluída. Haverá certamente quem esteja a trabalhar nessa frente.

Tem de sair de Vílnius uma parceria sólida e segura, que não fique à mercê dos câmbios de liderança nos países da NATO, e que seja vista por Moscovo como uma aliança sem falhas.

Os dirigentes da NATO não podem impor um ultimato a Vladimir Putin. Essa é uma prática do passado, que deixou de ser viável quando se trata de superpotências militares. Hoje já não se declaram guerras, infelizmente fazem-se, mesmo que se lhes chame Operações Especiais e outros eufemismos, e os ultimatos foram substituídos por pacotes de sanções. Até o Conselho de Segurança da ONU parece ter passado à história, quando se trata de travar um dos cinco membros com direito de veto. Estamos num mundo novo, como disse o presidente Xi Jinping, ao terminar a sua visita ao grande amigo Vladimir Putin, em março passado.

Os líderes reunidos em Vílnius deveriam ter presentes essas palavras do dirigente chinês. E pensar no futuro da segurança na Europa e no mundo de modo diferente. Mais concretamente, quero dizer que não só não podem deixar a Ucrânia sozinha como também não devem acreditar que será possível chegar a um entendimento duradouro com Putin. A história ensina-nos que com gente assim, para mais na liderança de uma superpotência, não há acordos de paz que possam ser considerados fiáveis. A destruição da gigantesca Barragem de Kakhokva, no início da semana, com todas as consequências que acarreta, é um exemplo chocante que levanta uma questão essencial: num processo de negociações, que confiança se pode depositar nos autores morais de uma catástrofe pluridimensional desse género?

Tem de sair de Vílnius uma parceria sólida e segura, que não fique à mercê dos câmbios de liderança nos países da NATO, e que seja vista por Moscovo como uma aliança sem falhas.

A segunda mensagem de Zelensky que gostaria de sublinhar tem como destinatários os líderes da União Europeia. A Comissão está a preparar um plano de ajuda à Ucrânia de quatro anos. Os ucranianos precisam desse pacote financeiro e ficarão certamente gratos quando for aprovado. Mas, acima de tudo, a Ucrânia quer ser admitida como membro da União. A candidatura à UE, que tem a aprovação de quase 90% dos ucranianos, marcaria a diferença em relação à Rússia. Zelensky acredita que a aprovação de uma via rápida, que leve à conclusão do processo de integração num espaço de tempo relativamente curto, reforçaria a sua posição, quando chegasse o momento de negociar com a Rússia.

Nem todos na Europa veem a coisa da mesma maneira. Por isso, urge tomar uma posição comum. Assim, volto às palavras de Xi, os tempos são outros, as regras têm de acompanhar as mudanças. Devemos, por isso, reconhecer a validade das pretensões da Ucrânia. E, em complemento, as da Moldávia também. Parafraseando Galileu, a realidade move-se.

 

Victor Ângelo
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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