Manda no Brasil, vive em Brasília, usa barba grisalha, tem quatro letras no nome, a primeira é um “L” e a última um “a”. Qualquer brasileiro, ou estrangeiro, com um mínimo de conhecimento da atualidade chega facilmente à resposta: Lula. Qualquer brasileiro com um mínimo de conhecimento dos bastidores de Brasília também: Lira.
Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, põe e dispõe. Enrolado em mil e um esquemas de corrupção ao longo da carreira política, ele é o líder do Centrão, o grupo de mais de 200 deputados que vota a favor ou contra o governo, seja ele qual for, de acordo com os seus interesses, muitas vezes inconfessáveis. E esses 200 votos legislativos condicionam, decisivamente, a atuação do poder executivo.
Durante os governos Fernando Henrique Cardoso e os dois primeiros de Lula, os presidentes saciaram o Centrão nos limites da legalidade – entregando ministérios a esses partidos sem ideologia (mas catalogáveis como de centro-direita e direita) se lambuzarem com verbas públicas – ou para lá dela – trocando mesadas por votos, o célebre Mensalão do PT.
Entretanto, desde que Eduardo Cunha, expoente máximo do Centrão à época, assumiu a presidência da Câmara dos Deputados em 2015 com o objetivo de derrubar Dilma Rousseff, o grupo de parlamentares oportunistas começou a tornar-se um corpo independente dos partidos.
Até assumir, de facto, o poder na gestão desleixada, preguiçosa e incompetente de Jair Bolsonaro, a troco de ir mantendo o então presidente a salvo de mais de 60 pedidos de impeachment.
Por isso, foi no bolsonarismo, cujos principais líderes na campanha eleitoral anterior faziam rimas com “Centrão” e “ladrão”, que nasceu o Orçamento Secreto: a distribuição de 16 mil milhões de reais (mais de três mil milhões de euros) para os parlamentares usarem nos seus redutos, sem divulgação do nome deles nem dos bens adquiridos.
A prática, parida pela ganância de Lira e pelo descaso de Bolsonaro, gerou, numa região, desvios como a aquisição de tratores 259% acima do preço de mercado. Noutra cidade, de 11,5 mil habitantes, realizaram-se 12,7 mil radiografias de dedo num ano para justificar os aparelhos comprados. Numa outra, cada habitante terá extraído 19 dentes em 2021.
Habituado ao Orçamento Secreto, o Centrão de hoje já não se contenta com um ministério ou dois distribuídos aos interesseiros – e Lula até entregou duas pastas ao União Brasil, duas ao MDB e três ao PSD, todos partidos, uns mais, outros menos, da ala oportunista do Congresso – nem com um Mensalão, visto pelo grupo, agora, como Mensalinho.
O Centrão encurralou de tal forma o executivo que, além de lhe infligir derrotas em série, ainda o faz sofrer por divertimento: só a 31 de maio, último dia do prazo, aprovou a reestruturação ministerial. Traduzindo: Lula correu o risco até ao soar do gongo de não poder usar a estrutura de governo que apresentou em janeiro, com novos ministérios, como o da Cultura ou o dos Povos Originários, e ter de usar a do antecessor.
Se até passar por essa humilhação, o presidente parecia resistir a jogar o jogo viciado da política de Brasília, agora não resiste mais: segunda-feira, dia 5, Lula chamou Lira para um pequeno-almoço.
Adivinhe qual dos dois saiu do encontro, de peito cheio, todo pimpão, a dar entrevistas à imprensa sentindo-se o dono do país? Começa com “L” e acaba em “a”.
João Almeida Moreira
Jornalista, correspondente em São Paulo
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