
Isabel Costa e Catarina Rolo Salgueiro, coautoras do texto, inspiraram-se no livro ‘Fahrenheit 451’, de Ray Bradbury, para escreverem ‘Burn burn burn’, interessadas, sobretudo, em trabalhar “esta ideia de inflamação e de fogo associada às relações em sociedade, dentro da própria casa ou com os que são próximos”.
Catarina Rolo Salgueiro, que também encena, tinha lido aquela obra distópica de ficção científica e sugeriu a Isabel Costa uma leitura conjunta, contou à Lusa. E tudo partiu daí.
Mais do que a ficção científica do livro publicado originalmente em 1953, interessou às criadoras abordar os “argumentos utilizados a favor da queima de livros, numa sociedade sem pensamento crítico”, frisou Isabel Costa.
Ambas construíram então uma peça cuja ação se passa numa biblioteca pública, em 2025, e que “bebe muito dos argumentos excelentes que são escritos por Bradbury de uma forma extraordinária relativamente a favor ou contra uma sociedade mais livre e com acesso à literatura”, acrescentou Isabel Costa, frisando que “não é uma adaptação” do livro de Bradbury.
Para lá da “surpresa histórica e literária” de haver uma “relação muito próxima com a atualidade” naquilo que foi escrito há mais de 70 anos, o que de facto “surpreendeu” as criadoras foi “a destreza de Bradbury em escrever estes argumentos tão bem ‘cozinhados’ uns com os outros”.
Na biblioteca pública da peça, há um clube de leitura que reúne pessoas com as mais diferentes personalidades e opiniões.
Ao lerem parte do livro e discutirem sobre ele, ainda que o seu título nunca seja mencionado, os membros do clube começam logo por demonstrar como a “literatura pode dividir e criar discórdia, que é um dos principais argumentos para a sua aniquilação, para a sua destruição”, argumentou Isabel Costa.
Com opiniões díspares e muito pessoais, os participantes no clube de leitura levam as suas opiniões ao extremo, “quase como se fossem leis”, provocando “automaticamente um conflito muito grande e uma incapacidade de comunicação entre elas”.
Esta incapacidade de comunicação “vai escalar de tal forma que leva os elementos do clube de leitura a transformarem-se em algumas personagens da obra de Bradbury”, como o protagonista, Guy Montag, o comandante Beatty ou a jovem de espírito livre Clarisse McClella.
Na biblioteca existe ainda um estúdio de gravação com duas personagens, interpretadas por Catarina Rolo Salgueiro e Isabel Costa, que vão acompanhando a ação em cena e discutindo temas que vão desde uma queima de livros ocorrida em Alexandria até cenas atuais.
Duas estantes de quase tês metros, cheias de livros, mesas de biblioteca e um canto com um sofá e um televisor compõem a biblioteca onde os elementos do clube de leitura habitam e que também acaba consumida pelo fogo.
Apesar do título “irónico”, Isabel Costa considera o espetáculo “muito esperançoso, contrariamente aos tempos que vivemos”.
As autoras tinham por objetivo criar “uma metáfora grande relativamente ao que se passa em 2025”, numa espécie de hipérbole sobre as “manobras de distração dos extremismos”, ainda que a peça tenha um final “redentor”, sublinhou Isabel Costa.
O que o espetáculo pretende é “fazer o elogio da literatura”, “de forma a muscularmo-nos de pensamentos profundos, argumentos para conseguirmos debater e, no limite, discutirmos e discordarmos uns dos outros sem ser necessária esta censura de pensamento e de opiniões diferentes”, frisou.
O que interessa é perceber “que se continuarmos a agir da forma como temos agido, a democracia não vai funcionar”, concluiu Isabel Costa.
Com sessões na quinta e sexta-feira, às 21:00, e, no sábado, às 19:00, “Burn burn burn” é apresentada no auditório Emílio Rui Vilar.
A récita de sexta-feira tem legendas em inglês e a de sábado tem audiodescrição e interpretação em Língua Gestual Portuguesa.
No dia 3 de novembro, pelas 11 horas, há uma récita para escolas.
A interpretar ‘Burn, burn, burn’ estão as autoras do texto e da encenação, juntamente com Beatriz Brás, João Pedro Mamede, João Pedro Vaz, Leonardo Garibaldi, Leonor Buescu e Tomás Alves.
Na assistência de encenação está Anna Leppänen, na cenografia, Joana Subtil, nos figurinos, Nádia Henriques, no desenho de luz, Manuel Abrantes e, no desenho de som e composição musical, Miguel Nicolau.
A peça é uma produção de Os Possessos e da Culturgest, em coprodução com o Teatro-Cine Torres Vedras.

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