• Outubro 3, 2025
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Mitos e verdades sobre cancros do sangue. Falámos com um médico

Só existe um tipo de cancro do sangue? Será que é sempre fatal? E apostar na redução de açúcar e carne vermelha ajuda no tratamento? Estes são alguns mitos mais comuns associados aos cancro do sangue. Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, o médico Guilherme Sapinho ajudou a perceber melhor todas questões questões.

“Os cancros do sangue podem ser mesmo muito diferentes: existem doenças mais agressivas e de rápida instalação (como as leucemias agudas e linfomas agressivos) que precisam de tratamento a muito curto prazo (em dias)”, começa por dizer o especialista.

Muitos consideram que é sempre uma doença fatal, mas o médico deixa alguma esperança neste sentido. “Numa nota mais positiva, a hematologia é das áreas da medicina que tem visto maiores avanços nos últimos anos, com cada vez mais opções de tratamento disponíveis para os doentes.”

Mito 1: Só existe um tipo de cancro do sangue

A explicação: Existem muitos tipos de cancros do sangue. Talvez a maneira mais fácil de perceber seja pensarmos que o sangue é constituído várias células diferentes (como os glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas), e que cada uma delas pode sofrer alterações que as transformam em células tumorais/ malignas, originando diferentes tipos de cancros do sangue. A medula óssea, que existe no interior dos nossos ossos, funciona como a fábrica das células que depois irão circular no sangue (e não só). É aí que, na maioria dos casos, podem acontecer erros na divisão das células (ao nível do DNA) que fazem com que as células adquiram um comportamento maligno, com capacidade para proliferar descontroladamente e escapar ao controlo do nosso sistema imunitário. Na maior parte dos casos não há uma causa identificada, embora algumas exposições possam aumentar o risco (alguns tipos de radiação, o benzeno, solventes e tintas industriais, pesticidas, e até quimioterapia feita por outro motivo). Numa minoria dos casos, pode haver ainda uma predisposição hereditária.

Os cancros do sangue podem ser mesmo muito diferentes: existem doenças mais agressivas e de rápida instalação (como as leucemias agudas e linfomas agressivos) que precisam de tratamento a muito curto prazo (em dias), mas também há doenças com um comportamento indolente, de evolução mais lenta (em anos), como alguns linfomas e doenças mieloproliferativas, que nem sempre precisam de tratamento e podem ser vigiadas em segurança durante longos períodos de tempo.

Mito 2: Pacientes com cancro do sangue devem evitar açúcar e carne durante o tratamento

A explicação: Existem muitos mitos acerca do que os doentes hematológicos (com cancros do sangue) podem comer. Na realidade, a maior parte dos estudos que foram feitos concluíram que não há benefícios em dietas restritivas em termos de sobrevivência. É importante usarmos fontes de informação credíveis para fazer recomendações que têm um impacto tão grande na vida das pessoas. A questão do açúcar nasce de uma verdade, mas sofre de uma extrapolação inadequada. As células cancerígenas utilizam o açúcar para sobreviver (tal como as restantes células do organismo), mas o cancro é uma doença muito complexa e frequentemente algumas descobertas de estudos iniciais com células isoladas ou modelos animais têm dificuldade em traduzir-se em verdadeiros benefícios para os doentes. O facto de um mecanismo fazer sentido não é suficiente, precisamos de provar em estudos clínicos que as intervenções têm benefício para as pessoas. A verdade é que nunca foi provado que restringir o açúcar tenha um impacto significativo nos resultados de doentes com cancros do sangue. O consumo de carne tem vindo a ser associado a um risco acrescido de cancro colorretal, mas essa associação não é consistente para os cancros do sangue. De resto, importa lembrar que existir uma associação estatística não é sinónimo de haver uma relação causa-efeito.

Os doentes com cancros do sangue devem ter uma dieta variada e equilibrada, que lhes permita ingerir calorias suficientes para os ajudar a recuperar de tratamentos que podem ser fisicamente muito exigentes. Pode haver, no entanto, restrições particulares por causa de interações com medicamentos, para diminuir efeitos secundários, ou para reduzir o risco de infecção em tratamentos que fragilizam o sistema imunitário (evitando, por exemplo, o consumo de carne ou peixe cru). Estas restrições devem ser discutidas caso-a-caso com a equipa médica e de enfermagem.

Mito 3: Com cancro do sangue, os doentes não podem morar em casa, trabalhar ou seguir a sua rotina diária durante o tratamento

A explicação: Como disse, há muitos tipos de cancros do sangue e muitos tratamentos diferentes. Alguns tipos de cancro são tratáveis com comprimidos em casa, outros exigem que os doentes se desloquem ao hospital para administração algumas vezes por semana, mas não exigem internamento, e ainda há outros, habitualmente mais intensivos, que obrigam a internamento para maior vigilância. As rotinas diárias, incluindo de trabalho, têm de ser adaptadas em função dos horários de consultas e tratamentos, mas sobretudo pela forma como a pessoa se sente após os tratamentos. O tipo de exigência física e o risco de infecções no trabalho também deve ser tido em conta: será mais fácil manter o actividade em teletrabalho do que numa actividade agrícola ou de construção civil, por exemplo. De qualquer modo, duas pessoas diferentes a fazer o mesmo tratamento podem ter tolerância diferente e precisar de adaptações diferentes à sua vida. É fundamental discutir com a equipa médica este tipo de implicações.

Mito 4: O cancro do sangue é sempre fatal

A explicação: Este é um ponto muito importante. A resposta é não, mas talvez seja necessário distinguir dois aspetos: ficar curado e manter uma longa sobrevivência com boa qualidade de vida. Quando falamos em cura, referimo-nos a um tratamento que elimina a doença de forma definitiva e que permite uma sobrevivência longa sem precisar de mais tratamento. Isto é possível nalguns casos, mesmo em situações com um comportamento mais agressivo (como as leucemias agudas). No entanto, também existem cancros do sangue incuráveis com longas sobrevivências sob tratamento (nalguns casos sobreponíveis à população global). Infelizmente, ainda há situações em que não conseguimos atingir nenhum destes objetivos, mas devemos sempre garantir a melhor qualidade de vida possível. É importante discutir estas expectativas com as pessoas a quem é dado um diagnóstico de cancro do sangue.

Numa nota mais positiva, a Hematologia, a especialidade que trata os cancros do sangue, é das áreas da medicina que tem visto maiores avanços nos últimos anos, com cada vez mais opções de tratamento disponíveis para os doentes. Em poucos anos, quase todo o panorama de tratamento mudou, e tudo indica que continuará neste bom caminho.

Mito 5: Todos os doentes precisam de um transplante de medula óssea

A explicação: A maioria dos doentes com cancros do sangue não tem indicação para fazer um transplante de medula óssea. O transplante de medula óssea é uma modalidade de tratamento entre outras, que tem indicações específicas. Por exemplo, o transplante autólogo (com células do próprio) é mais usado em mielomas e linfomas, e o transplante alogénico (com células de um dador) é mais usado em leucemias agudas. Dito isto, nem todos os doentes com estas doenças precisam de fazer um transplante: é sempre uma decisão entre o risco e o benefício. Pode haver doentes com uma doença mais agressiva, mas que são demasiado frágeis para fazer um transplante, e, por outro lado, pode haver doentes com grande capacidade para tolerar o transplante com baixo risco de complicações, mas em que não se antecipa um grande benefício porque a doença é menos agressiva ou está bem controlada com outras estratégias.

Mito 6: O cancro do sangue só aparece devido a condições genéticas e nada pode ser feito para prevenir

A explicação: A causa dos cancros do sangue são alterações nas células da medula óssea, que acontecem ao nível do material genético da célula (o DNA), e que fazem com que as células passem a ter um comportamento maligno, com incapacidade para gerar células do sangue funcionais, mas com capacidade para proliferar e para escapar ao controlo do nosso sistema imunitário. Como estas alterações acontecem nos genes são genéticas, mas é importante salientar que são adquiridas, isto é, que não nascem connosco e não são transmissíveis aos filhos. Há depois uma minoria dos casos em que há um risco familiar específico para determinados cancros, incluindo cancros do sangue, e que devem ter um acompanhamento especial.

Não há muito que se possa fazer para prevenir os cancros do sangue, excepto evitar exposições de risco como algumas formas de radiação e alguns produtos químicos (pesticidas, tintas, etc.) de forma continuada. Recomenda-se, de um modo geral, manter um estilo de vida saudável, com uma dieta equilibrada, exercício e vigilância de sintomas.

Mito 7: A ingestão de vitaminas e suplementos pode reduzir o risco

A explicação: Não há evidência de que o consumo de suplementos multivitamínicos, ou de vitaminas específicas (como a vitamina D ou B12), tenha um papel protector para prevenir cancros, nomeadamente cancros do sangue. Foram feitos estudos com dezenas de milhares de participantes e essa relação nunca foi provada.

Mito 8: Basta um exame de sangue para detetar

A explicação: Os sintomas que levam à deteção dos cancros do sangue podem ser pouco específicos, como febre inexplicada, cansaço extremo para esforços banais, perda de peso involuntária, infecções muito frequentes, perdas de sangue anormais ou tendência muito exagerada para nódoas negras. Algumas doenças específicas, como os linfomas, podem manifestar-se por aumento persistente do tamanho dos gânglios linfáticos, outras, como o mieloma, podem manifestar-se por lesões nos ossos ou insuficiência renal. Na maior parte dos casos, as análises de sangue têm um papel fundamental para definir se existe uma suspeita de uma doença do sangue, mas é frequente que sejam necessários outros exames, tais como TAC (tomografia axial computorizada) ou PET (tomografia de emissão de positrões), e biópsia óssea (também chamada osteomedular) e mielograma. Este último é um exame da medula óssea, feito sob anestesia local no esterno ou na zona da anca. O objetivo é colher uma amostra do sangue da medula óssea para ver ao microscópio (para procurar as células malignas) e fazer outros testes específicos, que podem incluir testes genéticos para identificar as tais alterações nos genes de que falei. Muitas vezes são precisos vários exames para definir um diagnóstico concreto.

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