Há algo de profundamente revelador no que nos fascina e no que ignoramos.
Esta semana, milhões de pessoas acompanharam com entusiasmo a passagem do asteroide 2025 OW, que viajava a 75 mil km/h e observaram duas chuvas de meteoros no céu noturno.
Nas mesmas horas, em Gaza, crianças sucumbiram à fome à porta dos camiões de ajuda humanitária.
Não há mal nenhum em contemplar o cosmos. A astronomia é ciência e é poesia. As estrelas despertam em nós a sensação de pertencermos a algo maior, belo e misterioso. No entanto, há um contraste gritante entre a comoção generalizada com objetos celestes que passam a milhares de quilómetros e o desinteresse com que recebemos notícias sobre crianças que definham, aqui mesmo, no nosso planeta.
As mortes em Gaza não são novidade e é isso que assusta
Nos últimos dias, mais de 140 pessoas morreram por desnutrição severa, incluindo 88 crianças.
A ONU já descreveu a situação como uma “catástrofe humanitária feita pelo homem”.
Algumas imagens, quando escapam à censura ou ao cansaço emocional do público, mostram corpos frágeis demais, pele sobre osso, olhos já para lá da dor. Ainda assim, não ocupam capas de jornais, não provocam protestos em massa, não geram hashtags virais.
Dizem-nos que é complicado, que o conflito é antigo, que “ambos os lados” cometem erros. Contudo, há algo de profundamente indecente em usar a complexidade como desculpa para a inação. A fome não é neutra, é um instrumento de guerra e, neste momento, está a ser usada de forma sistemática.
O que isto diz de nós?
Preferimos olhar para cima porque o céu não nos pede responsabilidades. Uma estrela cadente não nos exige empatia. Um asteroide que passa não nos obriga a escolher um lado, a arriscar uma opinião, a encarar o sofrimento humano. Todavia, viver em sociedade implica fazer escolhas morais e ignorar a fome deliberada de milhares de civis, apenas porque nos é desconfortável demais, é, em si, uma escolha, uma forma de conivência.
A distração não pode ser permanente
Sim, continuemos a olhar para o céu, mas não deixemos que ele nos sirva de escapatória. Que a luz das estrelas não nos cegue para o que acontece aqui na Terra, porque enquanto nos perdemos no fascínio do universo, há crianças que morrem por não terem pão e nenhuma estrela no firmamento justifica a nossa apatia.
Lícia Alves – Comunidade Lusa
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