Estamos em julho e, mais uma vez, o calor não dá tréguas. Portugal regista continuamente temperaturas elevadas, com dezenas de mortes associadas às ondas de calor. Não são números abstratos, são vidas perdidas. Pessoas idosas que viviam sozinhas, trabalhadores expostos ao sol, doentes que não resistem.
Durante demasiado tempo, o calor foi encarado como algo “normal” no verão português. Um desconforto passageiro, compensado por uma ida à praia ou por mais uma bebida fresca na esplanada. No entanto, o que estamos a viver já não é um verão comum. É um sinal de emergência climática. Quando as temperaturas deixam de ser apenas altas para se tornarem perigosas, temos de repensar prioridades e agir.
A resposta não pode ser apenas individual. Claro que cada pessoa deve proteger-se, evitar exposição nas horas de maior calor, manter-se hidratada, mas isso não basta. O Estado tem de reforçar os planos de contingência. As autarquias devem garantir espaços frescos, acessíveis a quem não tem forma de se proteger em casa. As empresas têm de adaptar horários e condições de trabalho, sobretudo em setores como a construção civil, a agricultura ou a limpeza urbana. Continuar a exigir produtividade máxima debaixo de um sol tóxico é simplesmente desumano.
Há ainda uma camada estrutural que não podemos ignorar: as cidades. O excesso de betão, o asfalto, a falta de sombras e zonas verdes, o trânsito constante — tudo contribui para que os centros urbanos funcionem como verdadeiros fornos. Este fenómeno tem o nome de “ilha de calor urbana” e, face a ele, é urgente repensar o urbanismo, investir em espaços verdes, rever os materiais usados no espaço público e transformar o modo como construímos as nossas casas e bairros.
O calor extremo não é uma questão do futuro, é uma realidade do presente e, se não agirmos agora, as consequências vão ser cada vez mais trágicas. Quem mais sofre não são os que têm ar condicionado e podem trabalhar a partir de casa. São os mais velhos, os mais pobres, os mais esquecidos.
Falar de alterações climáticas não é falar de algo abstrato. É falar do verão que deixou de ser sinónimo de descanso e passou a ser uma ameaça à vida. Não podemos continuar a encarar estes fenómenos como meros “picos de calor”. São alertas. Cabe-nos, como sociedade, ouvi-los, antes que o silêncio de quem parte se torne cada vez mais ensurdecedor.
Lícia Alves – Comunidade Lusa
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