• Junho 17, 2025
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Estamos a regredir como sociedade

Nos últimos dias, temos assistido a uma ofensiva clara e coordenada contra os direitos das mulheres, disfarçada de “liberdade de expressão” e promovida por figuras com poder económico e influência mediática. 

Transmite-se um vídeo antiaborto em horário nobre nas principais televisões portuguesas — um vídeo financiado por um empresário com interesses bem definidos, onde se insinua que interromper voluntariamente uma gravidez é um ato criminoso e egoísta. Não é um documentário, não é um debate — é propaganda pura.

Cristina Ferreira, uma das figuras mais influentes da televisão portuguesa, comentava em direto o caso de uma mulher assassinada pelo ex-companheiro dizendo que talvez ela “se tenha posto a jeito” por ter entrado no carro com ele. Essa mulher foi morta. Não por se ter posto a jeito, mas porque ele a quis matar. Ponto. Tudo o resto é barulho que só serve para abafar o essencial: a responsabilidade do agressor.

Um homem matou com 150 facadas uma mulher que conheceu no Twitter, porque ela não quis ter uma relação com ele. Cento e cinquenta facadas — não são só um número. São o retrato de uma violência que é alimentada todos os dias pela cultura da posse, do silêncio e da desculpabilização.

A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) apresentou, recentemente, uma queixa formal ao Ministério Público contra Numeiro – criador de conteúdos digitais – após ter recebido mais de uma centena de denúncias relativas a declarações consideradas ofensivas no que diz respeito aos direitos das mulheres. 

O problema não é (só) o que Numeiro diz, mas sim o que ele representa e os jovens que influencia- ele é ouvido, replicado, idolatrado até. E é aí que reside o perigo.

Quando uma figura com milhões de seguidores partilha desinformação agressiva sobre direitos legais, e nenhuma instituição age — nem para corrigir, nem para responsabilizar — o que está a ser comunicado é simples: a misoginia tem espaço, o discurso violento tem palco.

Se isto não nos incomoda, se isto não nos envergonha, então estamos mesmo a regredir. Estamos a aceitar que o espaço público — televisões, redes sociais, discursos políticos — seja invadido por ideias perigosas, disfarçadas de opinião ou liberdade de expressão. 

O que liga todos estes episódios não é só o tema — é o contexto que os permite: uma sociedade machista e misógina. Que oferece microfones a quem promove a culpabilização das vítimas, o controle sobre o corpo feminino e o ódio disfarçado de moralidade.

As mulheres lutaram décadas por visibilidade, por liberdade, por autonomia. Lutaram para ter acesso à educação, ao voto, ao mercado de trabalho. Para deixar de ser propriedade do pai ou do marido. Lutaram para poder decidir sobre o seu próprio corpo — um direito que sempre foi alvo de resistência.

O que está em causa não é apenas o que se diz. É o que se permite que se diga. É o que se deixa passar. É o que se não se responde.

Mariana Neto-  Licenciada em Comunicação Social

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