Um bom académico é um bom comercial

Opinião 1

Por defeito, feitio ou imposição profissional, um bom académico é um bom investigador. É alguém que identifica problemas, recolhe e analisa dados, e produz respostas da forma mais objetiva e imparcial possível. Tem, naturalmente, de evitar ser dogmático no que escreve, pois as naturais limitações metodológicas e tecnológicas de uma investigação contaminam, muitas vezes, uma aparente certeza. Um bom académico é alguém que comunica conclusões com alguma cepticidade, que não só aceita como percebe o contraditório, e que é pouco enviesado sobre respostas aparentemente óbvias aos olhos da maioria.

Este perfil profissional do bom investigador pode, numa interpretação mais leviana, colidir com uma atitude comercial do bom académico. Porque na nossa cultura bastante portuguesa associa-se (erradamente) um espírito comercial a uma capacidade de fazer com que uma outra qualquer pessoa decida em benefício do seu interlocutor contra a lógica absoluta dos factos. Quase como um passo de ilusão ou hipnotismo. Nada mais errado.

Num mundo contemporâneo empreendedor, possuir um espírito comercial é vislumbrar a oportunidade antes da maioria. É perceber, por um lado, a proposta de valor associada a determinado produto, e por outro lado, ser capaz de identificar o seu potencial cliente com base no benefício gerado para a sua própria operação. Um mau comercial constrói propostas win-loose, porque (i) ou desconhece o valor do seu produto, (ii) ou desconhece a atividade do seu cliente, (iii) ou ambas. Desta forma empurra a solução ao cliente de uma forma ostensiva e, muitas vezes, agressiva. Ao invés, um bom comercial constrói propostas win-win, pois entende o que tem em mãos e a quem mais impacta. E estabelece um preço justo pelo seu produto, que é aquele que confere margem a quem produz e valor a quem compra.

Posto isto, por que razão um bom académico não pode ser um bom comercial? Os problemas que um bom académico formula nas suas investigações são aqueles cujas soluções, ele sabe de antemão, vão impactar de uma forma decisiva a performance empresarial das organizações. Caso contrário, é um mau académico. O bom académico não vive somente dentro de quarto paredes e em congressos da especialidade onde convive durante uns dias com outros iguais a si. Ele sai e ouve a indústria, ele lê e analisa os problemas dos parceiros profissionais, ele está atento ao que as empresas precisam e procura soluções dentro da metodologia científica. O output da investigação de um bom académico tem valor comercial atribuído pela indústria e não somente pelas revistas da especialidade que encerram o seu modelo de negócio na própria academia em si. Um bom académico, pois, não vive numa bolha plena de ingenuidade imaculada, de uma realidade sua dissociável da realidade de todos os outros.

Concluo indo mais longe: um bom académico deve ser um bom comercial, pois caso contrário será apenas mais um produtor de respostas inconsequentes a problemas insípidos, sem valor e sem impacto social e económico. Só desta forma um (bom) académico torna a (sua) investigação sustentável. Em Inglaterra só se financia investigação co-financiada pela indústria. Nos EUA, o seu modelo de academia “compra” os nossos melhores académicos.

 

 

Professor e Gestor Académico

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