O que torto nasce, tarde ou nunca se…

Diogo Feio

Endireita. Ao olhar para os acontecimentos políticos, do último ano, meses ou semanas, esta referência a um ditado popular tem ganho uma atualidade inesperada. Se não, vejamos.

No passado dia 30 de janeiro de 2022, o resultado das últimas eleições legislativas ditou uma maioria absoluta do Partido Socialista; um resultado de total irrelevância política ao centro-direita tradicional (PSD com um dos mais baixos resultados da sua história e o CDS a desaparecer do mapa parlamentar), uma quebra dos parceiros da “geringonça” e o aparecimento com maior força da Iniciativa Liberal e do Chega. Numa análise mais fina, a maioria absoluta foi má para todos. Para o PS que manifestamente não sabia o que fazer nesse cenário; para a direita em reconstrução, e para o Presidente da República que, em segundo mandato, não tinha a perspetiva da necessidade de adaptar o seu discurso contínuo ao comentário de uma maioria monopartidária.

Passado mais de um ano, e num clima de degradação contínua do regime, o Governo não demonstra qualquer vontade reformista; a oposição mais moderada mantém-se à procura de uma bússola; a mais radical – até calada – ganha votos de protesto; e a coabitação colaborante entre Presidente e Primeiro Ministro transformou-se numa tensão controlada de desafios, silêncios e desencontros muito evidentes. Para além da afirmação da posição política de António Costa e da noção por parte de Marcelo Rebelo de Sousa de que a atitude que venha a tomar marcará o seu mandato e muito do seu lugar na história, os próximos tempos serão determinados por alguns factos mais mediatos que não se devem esquecer.

Da parte do líder do PS e do Governo, o congresso do partido – e a “gestão do dossier Pedro Nuno Santos” – bem como a necessidade, talvez imperiosa de ganhar as eleições europeias num clima económico positivo. Da parte presidencial a gestão de um quase diário degradar da situação política, e da perceção de que eleições legislativas antecipadas tornam o resto do seu mandato numa total inexistência política. Assim, no dia em que o Presidente venha a terminar com o mandato de um Governo sustentado numa maioria absoluta de um só partido, ficará impedido de dissolver num prazo total de um ano (o primeiro semestre do mandato presidencial e o último do mandato presidencial) e o efeito bomba atómica – seja pelas regras constitucionais, seja pelas regras do bom senso – torna-se numa bisnaga de água. O efeito dessa atitude será politicamente definitivo, e por isso a manutenção de todas as hipóteses em aberto é politicamente relevante.

Não sei de todo quem está politicamente mais livre. Entre a dependência eleitoral, dos delegados internos deste ano ou dos eleitores resistentes a 9 de junho do próximo, e o risco de o papel presidencial passar a um mero conta fitas que assiste a um desfilar publico de putativos sucessores, a escolha não é fácil.

Pelo meio fica uma certeza. Todo este jogo de sombras gerou uma coabitação nula entre os palácios e o necessário equilíbrio institucional ficou pelo caminho. Muitos sorrisos não escondem uma relação que se tornou inexistente e não ajuda ao funcionamento das instituições.

Resta então perguntar – como normalizar, regularizar e reequilibrar o que torto nasce? Com uma ampla remodelação governamental? Não parece. O tempo da sua eficácia já foi perdido e o campo de recrutamento é cada vez mais exíguo.

Sobra, então, muito tempo de apodrecimento, para poucas opções. De facto, o adágio popular afirma o “torto dificilmente se endireita”.

Diogo Feio, professor Universitário

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